Sangue do Dragão

O Caminho até o Fim

Ele achou que nada mais poderia parti-lo, que não sobrara nada dele para dividir, mas estivera enganado. As últimas palavras dela para ele foram como uma pedra atirada em um buraco, muito, muito profundo que por fim atingira o que havia no fundo.

Estava grávida quando me traiu daquela maneira vil. Não que se importe, sei que deve enojá-lo, mas é a verdade.

Ficar perto dela ainda era a melhor e a pior coisa do mundo, ele percebeu em agonia. Um lado seu ainda não conseguia acreditar que ela respirava e fazia com que ele sentisse vontade de compor canções como o bardo que ele não era ou sair por aí gritando como um idiota que ela vivia. Já o outro, mais básico e primitivo, queria roubá-la para ele, levá-la na ponta da espada, queria avançar e abraçá-la como ela merecia, desfazer aquelas tranças e beijá-la nos lugares que ele sabia que ela gostava. Não conseguia deixar de se deleitar com a presença dela ou se banhar em Daenerys como se ela fosse um sol particular e ele uma criatura das sombras que há muito não via a luz do dia.

No entanto, sua parte mais culpada e racional queria simplesmente se encolher, ciente de que ele não podia fazer ou desejar nenhuma daquelas coisas. Não tinha o direito, embora - ele também percebeu- fosse difícil se concentrar em outra coisa que não fosse o calor do corpo dela tão perto do seu, o cheiro dela o invadindo ou aquela boca linda, ainda que as palavras dirigidas a ele fossem sempre duras e cheias de ódio. Mas aquelas eram sensações e emoções que Jon Snow há muito não sentia e não sabia muito bem o que fazer com elas.

Bem, de uma coisa ele sabia: ela não o amava mais e isso estava evidente, Jon podia sentir aquilo no cerne mais profundo do seu ser. Ele não era, obviamente, correspondido. Ele a perdera. Além de ter o sangue dela nas mãos, o respeito e o amor que ela tinha por ele foram deformados ao ponto de se transformarem em ódio e desprezo, embora ele achasse que receber isso dela ainda fosse melhor do que nada. Ele sabia como era sua vida sem ela, sabia como era o nada e não queria viver aquilo novamente. Se ela era capaz de odiar era porque vivia e isso bastava.

Mas não era só isso. Ela acreditava que ele a desprezava e reijeitara, o que explicava o resto, todo aquele ressentimento frio contra ele. Levando em consideração que ela acreditava que ele a traíra de forma vil, Jon achava tudo muito compreensível.

Por fim, havia seu exílio e a perda de tudo o que ele foi, do homem que ele foi, da pessoa que ele foi ou poderia ter sido. Mas não fora o suficiente, certo? Não, claro que não. Roubar sua vida, deformar os seus sentimentos e o amor de Daenerys por ele não fora o suficiente para Bran. Óbvio que não.

As horas seguintes ao encontro com ela na biblioteca foram uma angústia completa, podia sentir o redemoinho desmanchando tudo sob os seus pés outra vez, ameaçando sugá-lo ou virá-lo do avesso.

Ter o sangue dela nas mãos já era ruim demais, triste demais, mas saber daquilo... Jon negava-se a conceber a ideia. Saber já era ruim o suficiente, temia não conseguir se deixasse que a realidade o atingisse. Talvez tudo se apagasse se ele apenas não pensasse mais no assunto. Mas sabia que não podia, sabia que a pedra que ela atirara atingira o fundo com força demais.

Não tinha apenas o sangue dela nas mãos, mas também... a ideia lhe dava náuseas. Era demais para suportar, por isso não podia esperar mais.

Coração Alto era um dos muitos montes das Terras Fluviais, um lugar considerado sagrado para os filhos da floresta. Era lá que Jon o encontraria. Bran. A pessoa que lhe roubara tudo, inclusive um filho dela, que nasceria daquele amor e daquela vida que não existiam mais. Foram tirados dele. Puxados bem debaixo de seus pés.

As tropas no castelo estariam em movimento nos próximos dias. Fariam uma marcha dura até o Tridente, onde acampamentos tinham sido erguidos para acomodá-los.