A Rainha dos Sete Reinos

93 10 0
                                    

     Uma forte chuva caiu naquele dia, enquanto os últimos Targaryen esperavam encolhidos embaixo de uma lona esfarrapada de uma velha barraca de especiarias. A água escorria pelas pedras da rua enquanto Dany tentava identificar a miríade de cheiros que os envolviam. Ao seu lado, o irmão encarava taciturno as pedras sendo lavadas pelas águas.
     A barriga de Dany roncou, um barulho alto e constrangedor que a fez se encolher como se pudesse esconder o som. O estômago doía e ela sentia frio enquanto a água escorria pelos buracos da lona a deixando mais molhada do que seca.
      A comida havia acabado há dois dias, as moedas muito antes disso. Dany sentia fome, mas não disse nada. O rosto ainda queimava, no local onde ele havia a estapeado. Um lábio sangrara e ela caíra na lama, mas não chorou, lágrimas o irritava.
     Na manhã seguinte, estava exausta, muito cansada mesmo. Mas Viserys estava determinado, ele a fizera andar e andar, e antes que ela se desse conta, estava feito, a coroa da mãe fora vendida. Então havia comida novamente, roupas limpas e uma cama quente, mas ela perdera o que restara do irmão naquele dia. Desde então as pessoas passaram a chamá-lo de Rei Pedinte e não sobrara nada dele a não ser fúria sombria e uma crescente frustração. A lembrança ainda deixava um gosto amargo na boca e um bolo na garganta.
       Em Harrenhal, seu quarto ficava na Torre da Viúva, Dany se recusara a se hospedar na Pira do Rei quando isto lhe foi oferecido. Fora ali que as chamas de Balerion buscaram Harren e seus filhos em seus esconderijos para devorá-los. E uma torre de viúva ainda soava melhor do que uma pira, não queria atrair mau agouro. E sou de fato uma viúva.
Pedira um quarto modéstio, mas nada parecia ser assim em Harrenhal. As paredes eram enormes e grossas, com as maiores cortinas que ela já vira. O teto se perdia na escuridão e a lareira era uma coisa enorme e faminta, difícil de manter alimentada. O castelo parecia mais com as casas dos gigantes que lera nos contos que Jorah lhe presenteara.
Era naquele quarto, sobre uma pequena e redonda mesa de carvalho, que sua coroa repousava. Tinha a forma de um dragão de três cabeças; os anéis eram de ouro amarelo, as asas de prata, as cabeças esculpidas em jade, marfim e ônix. As cores de seus filhos, um presente enviado de Volantis, para a Mãe dos Dragões...
- Mãe dos dragões - veio o sussurro - mãe dos dragões....mãe dos dragões, dragões....dragões...
       Dany voltou-se para a lareira, um arrepio subindo pela coluna enquanto as chamas dentro dela tremulavam e diminuíam, quase apagando. Havia algo ali, ela sabia, sentia...
- Mãe...mãe...mãe....
       Os sussurros ecoavam pelo quarto, como a voz ecoando por uma caverna profunda. Dany deu um passo em direção ao fogo e depois outro e mais outro, mas os sussurros pararam quando a porta do seu quarto se abriu e Yara Greyjoy entrou.
- Vossa Graça - a mulher fez uma reverência - Perdoe-me se atrapalho.
Dany alisou as saias de seu vestido e a tranquilizou com um gesto de cabeça. Depois caminhou até uma antiga poltrona ao lado da lareira e gesticulou para que Yara se sentasse no espaço vazio ao lado dela. Arrepios ainda percorrendo por seu corpo, embora as chamas na lareira tivessem voltado ao normal.
- E então?
- As ovelhas estão ordenhadas - Yara respondeu caminhando até Dany e sentando-se ao seu lado - confortáveis conforme o desejo de Vossa Graça.
        As semanas que se seguiram ao seu retorno de Winterfell tinham sido agitadas. Grandes senhores dos Sete Reinos haviam sido convocados e marcharam pela estrada do rei com destino a Harrenhal, seguidos por seus exércitos. Homens das terras da Coroa, das terras Ocidentais e da Tempestade, da Campina, do Vale e de Dorne. Dany na verdade não esperava que viessem, mas vieram, centenas deles. Provavelmente curiosos sobre tudo o que aconteceu. Curiosos sobre ela. Ansiosos para testá-la.
       Dany não queria ninguém acampando fora das grossas muralhas de Harrenhal, então ordenara que todos os homens permanecessem dentro dos portões, havia muitos espaços dentro do castelo. Os estábulos eram tão gigantescos que cabiam mais de mil cavalos em cada um deles, havia arenas e pátios que podiam abrigar as tendas dos soldados, quartos que podiam ser limpos e ocupados por vinte ou mais pessoas. Mesmo assim a chegada de tantas pessoas causava um verdadeiro alvoroço na rotina que o castelo seguia.   Dany precisou selecionar mais uma quantidade de intendentes, subintendentes; recrutar cavalariços, cozinheiros, governantas, ferreiros, pessoas para supervisionar os celeiros, as despensas e armazéns. Todas as habilidades eram aproveitadas em Harrenhal e a limpeza dos quartos, salões e corredores deveria ser de responsabilidade de cada um.
        A rainha também não admitia violações de nenhum tipo, por isso criara uma guarda com homens de confiança para que tudo isso fosse devidamente supervisionado. Todos os crimes, por menor que fossem, deviam ser levados diretamente a ela, o que reduziu significativamente a ocorrência deles.
        As refeições deveriam ser feitas em turnos, divididos de acordo com as torres de Harrenhal, assim como a utilização dos salões de banhos de cada uma delas.
       Quanto aos Senhores, ela os recebeu no Salão das Cem Lareiras, sentada em um banquinho de ébano, como nos velhos tempos. Sua guarda era formada pelos homens de ferro e dothrakis, ao lado deles se acumulavam as pessoas que cruzaram o mar estreito para lutar pela Alvorada. Gente de Yi-Ti, Asshai de muitas sombras e das Cidades Livres como Tysho Nestori, Aisha, Benerro, Doniphos Vhassar e suas mãos ardentes. Era uma comitiva minguada, como fora um dia a de Aegon, o Conquistador, mas emanava certo respeito e eles sabem que Drogon também está aqui. Mesmo assim Dany conseguia farejar a insatisfação deles. Não estavam felizes com seus feiticeiros e também desconfiavam dela.
- Sejam bem vindos a Harrenhal, espero que tenham feito uma boa viagem.
- Com a graça dos Sete - um cavaleiro das Terras Ocidentais respondeu entredentes. Tinha os cabelos louros dourados e olhos cor de mel, provavelmente um Lannister de Lannisporto ou algum tipo de parente próximo. Dany encerrara a linhagem de Rochedo Casterly, mas sabia que ainda havia leões de outros ramos em Lannisporto. Assentiu perante ao comentário, mas percebeu a provocação.
- Que a Velha ilumine nossos caminhos nesse momento de aprovação e nos dê sabedoria, Sor....
- Emory Lannets, Vossa Graça.
- Sor Emory Lannets - Dany acenou a cabeça na direção do homem - E que a Mãe seja misericordiosa e o Pai nos julgue com justiça. Que o Guerreiro nos dê força e coragem, e a Donzela proteja nossos inocentes. Oro todos os dias, senhor, para que o Ferreiro permita que coloquemos nosso mundo em ordem. Que os deuses, velhos e novos, de Westeros, Essos ou qualquer outro lugar, olhe por nós nesse momento de aprovação. Iremos precisar.
        Um silêncio caiu sobre o salão, mas ao seu lado Daenerys sentia o sorrizinho de Yara Greyjoy, uma súdita do Deus Afogado, embora ela tentasse disfarçar abaixando a cabeça e olhando para o chão.
- É como diz, Vossa Graça - o sorriso do homem era sem graça. Fez uma breve reverência e não falou mais.
- Vossa Graça - Uma garota assumiu a frente da audiência. Tinha longos cabelos castanhos ondulados, olhos enormes e escuros e um corpo sinuoso - Sou Arianne Sand, se lhe aprouver. Filha da Víbora Vermelha de Dorne, Oberyn Nymeros Martell, sobrinha do próprio príncipe de Dorne, Doran Nymeros Martell e uma Serpente de Areia conforme o desejo de meu pai. Meu povo não aceita um rei estranho do Norte, uma separação injusta do reino e está disposto a ouvir o que a Mãe dos Dragões tem a dizer.
        Arianne Sand, sim, Yara lhe falara sobre ela. Havia expulsado os homens de Tyrion e assasssinado o príncipe Qoren Blackmont, assumindo o seu lugar em Lançassolar. Dorne era um lugar de gente orgulhosa e de vida dura, passavam por grande dificuldades desde a queda da Casa Martell e estavam maduros para ela. Levantou-se do banquinho, andou até a garota e segurou as mãos dela entre as suas.
- Há uma longa história entre nossas casas. Tem a minha admiração, Arianne. E em nome de minha casa, aos olhos de todos neste salão e dos deuses, peço perdão pelas coisas que aconteceram no passado, durante o reinado de meu pai.
- Oh! Sim, claro, isso... - ela exclamou - São águas passadas essas, não podem voltar. Dorne também pede perdão, por ter falhado com Vossa Graça em momento tão sombrio e lutará dessa vez. Nossas lanças são suas, se lhe agradar.
- Agradam-me imensamente - mas Dany sabia que não era só isso, os presentes geralmente não eram dados sem outro tipo de cortesia à altura. Via isso nos olhos dos homens que acompanhavam      Arianne. Tinha o sangue dos Martell, mas ainda uma bastarda de nascimento e diante deles: uma rainha - Ajoelhe-se, Arianne.
- Vossa Graça - a garota ajoelhou-se de bom grado.
       Com um sinal de Daenerys, Fogonegro fora levada até suas mãos. Um murmúrio de surpresa preencheu o salão quando a espada foi tirada da bainha. O aço valiriano e o rubi de seu cabo beberam o fogo verde e dourado das arandelas e das monstruosas lareiras de Harren, o Negro. Dany encostou a espada no ombro de Arianne, proferindo as palavras:
- Eu, Daenerys da Casa Targaryen, Nascida da Tormenta e Mãe dos Dragões, Khaleesi do Grande Mar de Grama e a Quebradora de Correntes, a não Queimada e Primeira de Seu nome; Rainha dos Ândalos, dos Roinares, dos Primeiros Homens e Protetora do Território, faz de ti, Arianne Sand, Arianne da Casa Martell, Princesa de Dorne - Quando afastou a espada, havia lágrimas nos olhos de Arianne e o alívio era palpável no rosto dos senhores que a seguiram até ali.
- Vossa Graça - eles se ajoelharam um a um, suas cores ondulando sobre o salão enquanto se rendiam para Dany.
Até Arianne, a Casa Martell estivera extinta, mas Dany devolvera a Dorne uma suserana do sangue de Nymeria e estavam gratos por isso. Aquela dívida estava paga. Esperava que a ofensa do irmão aos Martell fosse para sempre esquecida. Mas Daenerys sabia que aprovações mais difíceis a aguardavam naquele salão e via isso no rosto silencioso de Leyton Hightower, o Velho de Vilavelha. Quando viu que ela o olhava, o homem andou lentamente em sua direção. - A Campina é grata, Vossa Graça, pelas mortes dos traídores Randyll e Dickon Tarly - falava de forma branda e baixa, mas havia aço em cada nota e todos se silenciaram para ouvi-lo - Foi sujeira o que fizeram com nossa matriarca, Olenna Tyrell ou apoiando Cersei Lannister mesmo ela tendo assassinado meu suserano e meus netos quando explodiu o Septo de Baelor. Uma ofensa aos deuses...
- Por isso estamos sendo amaldiçoados - alguém cuspiu da multidão - os Lannister deixaram os deuses zangados e eles se voltaram contra nós!
- No entanto - Hightower continuou como se não tivesse sido interrompido - a fumaça que ardeu em Porto Real quando ela caiu, chegou aos Portos de Vilavelha, tão forte ela era.
Todos os olhos do salão voltaram-se para Daenerys.
- Seu dragão fora visto sobre a cidade e tempos depois sobre as terras da Coroa, sobre a Campina, Vale, Norte e sobre essas terras. O que tem a dizer sobre isso, Vossa Graça?
      Daenerys Targaryen estava pronta para aquilo.
- Dragões são Dragões, meu senhor. Possuem uma natureza temperamental - uma meia verdade era melhor do que nada - Quando esteve em Pedra do Dragão, Olenna Tyrell disse-me para ser um dragão. O que ela desejava era fogo e sangue por seu filho e netos. Cersei Lannister está morta, assim como a Casa Lannister. Mas nenhuma vingança é plena senhor, como aprendi. Havia fogo vivo sob Porto Real. O mesmo que fora usado para queimar o Septo em homenagem ao meu antepassado Baelor, o Abençoado. As chamas saíram de controle, um erro terrível que estou aqui para corrigir.
       E havia Bran a levando para dentro do Tridente enquanto a cidade ardia, mas não queria se enveredar de novo por aquelas águas. Um homem como Leyton Hightower precisava ouvir garantias e não a teia sombria de um corvo. Dany deixava aquele trama para os feiticeiros atrás de si. Voltou-se para multidão.
- Tudo o que peço é que confiem dessa vez. Um grande mal despertou nessas terras. Achamos que estivesse derrotado, mas a morte ainda caminha. O frio caiu como um véu sobre o mundo e quando não restar nada a não ser escuridão, eles virão. Já se agarraram entre os nosso com a sua doença saída das sombras - a cada novo dia, Arrepios matava mais e mais, centenas deles - No passado, lutei em Winterfell contra o Rei da Noite, perdi meus dragões e grande parte dos meus soldados. Homens valorosos que lutaram comigo e atravessaram a água salgada por mim. Naquele dia ganhamos a batalha e não a guerra. É disso que se trata dessa vez, senhores. Ganhar. Não haverá uma segunda chance. Se perdemos, um destino sombrio nos aguarda. A morte caminha para nos colocar em correntes e destruir o mundo que conhecemos. Precisaremos de todas as forças, precisaremos que todos lutem juntos e por todos. Uma última batalha, pela Alvorada, pela sobrevivência!
       Dany viu um breve entendimento nos olhos azuis do homem e parte da sua dúvida se esvaindo. Você vai quere-lo ao seu lado, Yara havia lhe dito, os Hightower são uma família antiga, muito rica e orgulhosa. Controlam a Fé e a Cidadela. Nos portos de Vilavelha dizem que Leyton trancou-se em um quarto em Torrealta com a filha, a que chamam de Donzela Louca, consultando seus livros e profecias enquanto Bran se sentava na Fortaleza Vermelha e aquele mercenário assumia Jardim de Cima...Dizem que a filha é uma Septão feiticeira.... e certo dia, Leyton convocou seus vassalos e deu fim ao delírio de Bronn e enviou sua cabeça de volta para Porto Real. Ele declarou independência, mas em falta de coisa melhor. Quando a ver viva irá reconsiderar. Olenna e Jardim de Cima a escolheram como rainha. Sua segunda filha, Lady Alerie, era casada com Mace Tyrell, filho de Olenna. Leyton é influente e acima de tudo leal. Rico demais e beato demais, esse jogo de Tronos não o interessa.
- Casado? - Dany havia perguntado, ciente de que um casamento talvez fosse algo que ela devesse considerar para controlar os Sete Reinos. O pensamento inusitado a surpreendeu. Achava que aquela estrada fora perdida para ela, mas Leyton lhe parecia um consorte ideal e Dany apesar de não ter mais a mesma força de antes, ainda era um prêmio cobiçado. Muitos viriam tratar com ela sobre o assunto, precisava conhecer suas opções e escolhe-la com cuidado, se fosse caso. Qualquer homem que se casasse com ela seria também rei, ainda que consorte.
- É velho - Yara falou- mas vive seu quarto casamento. Lady Rhea Florent é sua esposa e goza de plena saúde ao que parece, mas nunca se sabe. São tempos difíceis esses - admitiu com um sorrizinho.
- Filhos?
- Um bebê de peito e Malora. Os filhos mais velhos morreram na guerra - Yara a olhou de maneira conspiratória - Vai ver, Vossa Graça, que faltam homens em Westeros, a guerra levou todos. Mas se quiser algo diferente, estou sempre a disposição.
       Naquele cavernoso salão, Hightower a olhou dentro dos olhos e por um breve instante Dany achou que ele procurasse por algo que não estava ao seu lado, mas a sensação passou tão rápido quanto chegou.
- Ouvimos as histórias em Vilavelha - ele disse por fim - sobre os mortos e seu Rei da Noite. A Cidadela concorda e os Septões também.... É como diz, Vossa Graça, um grande mal se aproxima. Minha filha, Malora Hightower, nos alertou sobre os perigos. Também estamos ciente dos seus feitos. Chocou dragões de pedra, derrotou Khals e magos, quebrou correntes e dobrou o fogo e segundo vejo... a própria morte. Fomos unidos por seu antepassado, Aegon, o Conquistador e assim lutaremos, unidos por um dragão, é como deve ser. A senhora lutou por nós quando não havia esperanças e voltou para lutar por nós mais uma vez. Trouxe comida, abrigo e esperança aos desafortunados Trouxe ordem em época de escuridão. Erros acontecem e devem ficar no passado quando não há a intenção de causar grande mal. A Mãe é piedosa e nos ensina a perdoar. É do sangue de Aegon e dos reis que juramos proteger. A Campina lutará com a senhora e pela senhora - ele dobrou um dos joelhos solenemente - ajudaremos a iluminar o caminho, tem a minha palavra - espero que cumpra com a sua, ele deixou por ser dito.
- Verá, Lorde Hightower, dessa vez iremos vencer em definitivo, garanto.
- Viva a Daenerys Targaryen, a Rainha Dragão, Mãe de Dragões e Rainha dos Sete Reinos! - Alguém gritou na multidão, com a espada em riste.
       A partir de então, Dany fora atingida pelos sons afiados das espadas deixando suas bainhas e vibrando no ar com vivas como trovões feitos de aço.
Fora preciso uma tarde inteira para que ela ouvisse todos os juramentos e evidentemente, houve muitas propostas de casamento. O próprio Leyton Hightower ofereceu-lhe seus sobrinhos, enquanto o Senhor do Ninho da Águia, um menino imberbe, de olhos remelentos e rosto maltratado por espinhas, chamado Robin Arryn, ofereceu a si mesmo. Um nome em homenagem a Robert Baratheon, Dany ponderou. Ele era filho de Jon Arryn e Lysa Tully. Decidiu que preferia casar-se com um sapo, embora Robin trouxera com ele todas as espadas do Vale, além de alimentos e forragem suficiente para quase um ano de cerco. Dany não quis ser rude, o dispensou com um sorriso doce e lhe garantiu que iria refletir sobre o assunto. Graças a Mãe, Rhaenyra não estava com ela. Teria sido ainda pior se soubessem que ela não era o único prêmio disponível ali.
- Muito bem, então - disse para Yara sentada ao seu lado na poltrona, depois de ouvir que os seus senhores e senhoras foram acomodados - Agora podemos pensar na minha coroação - Dany não via muita necessidade de fazer aquilo agora, mas seus senhores insistiram - Faremos ao lado do lago, não quero ser coroada dentro dessas muralhas.
       Yara ergueu uma sobrancelha.
- Preocupada com a maldição de Harren?
- Não tenho medo de fantasmas - mas ainda pensava nos sussurros que ouvira.
- É bem verdade que Harrenhal murchou a mão de todos que o tocou.
- Mãos de senhores, não de uma rainha.
- Isso também é verdade, Harren construíra seus amplos salões para os olhos de reis - as duas ficaram em silêncio concentrado, contemplando a vastidão do quarto.
- Acha que ele tinha algum problema com tamanho e tentava compensar algo com esta loucura?
- Harren?
- Quem mais?
      Uma alta gargalhada escapou de Yara.
- Talvez tivesse mesmo, algum tipo de complexo com o pau.
- Harren era um nascido do ferro como você e Aegon foi onde tudo começou para minha casa.
- E aqui estamos nós, mais de 300 anos depois, no castelo que Harren construiu com sangue e Aegon destruiu com fogo.
- Há maldade e sofrimento nessas pedras - Dany refletiu.
- Sim, há. Mas olhando para nós agora, fico pensando que... houve um custo muito grande para que Harrenhal ficasse pronto. Quanta dor Harren causou, quantas árvores ele cortou. Harrenhal foi local de incontáveis tragédias, mas... agora é a ponta onde tudo se equilibra. Bem durante a maior tragédia de Westeros, seu tamanho desumano pode ser a diferença entre a vida e a morte. Talvez ele não conhecesse as correntes que o Deus Afogado soprou para ele, mas é estranho pensar que o lugar de sua maldade é hoje um lugar onde germina esperança - deu de ombros.
- Não sabia que vocês das Ilhas de Ferro pudessem ser eloquentes a esse ponto - as duas riram - E apesar de concordar, ainda prefiro ser coroada ao ar livre, enquanto ainda há luz do dia. Depois podemos pensar... em algo mais adequado - Aegon, o Conquistador, fora coroado duas vezes, a primeira dela às margens da Baía do Água Negra, por Visenya e Rhaenys. Dany também podia fazer o mesmo. Quem sabe depois, poderia viver algo mais festivo, alegre, em dias melhores. Algo que Rhaenyra pudesse participar ao seu lado. Gostaria muito disso.
- Será como diz.
       Dany suspirou, olhando para as mãos entrelaçadas sobre o seu colo.
- Estão aqui porque temem a escuridão, principalmente Hightower. Ele parece entender contra o que lutaremos.
- Às vezes é dura demais consigo mesma, Daenerys. Estão aqui por causa de você. E dobraram seus joelhos idiotas porque viram em você a coragem que falta neles. São como galinhas, na verdade não estão preocupados se queimou uma cidade ou não, queriam mais é saber o que você poderia tirar ou dar a eles - Yara apertou sua mão com força - Podem ter vindo porque temiam, mas ficaram porque foram inspirados naquele salão. Você tem essa estranha capacidade de manter as coisas unidas, por mais diferentes e interessadas que elas sejam. Se não fosse por você, eu poderia estar saqueando algumas cidades e roubando algumas garotas, mas aqui estou. Pronta para lutar ao lado desses pavões das terras verdes, que eu sempre desprezei.
      Aquilo fora outra surpresa que viera junto com o papel de rainha que ela desempenhava, a ideia de que ainda podia inspirar algo, mesmo depois de tudo que causara e passara. Apertou a mão de Yara em retribuição, novamente grata por tê-la ao seu lado.

       Na manhã seguinte, os portões do castelo foram abertos. Dany escolhera um vestido preto ornamentado com pequenas pedras que lembravam as escamas de Drogon. Tinha mangas bufantes e esvoaçantes, seu interior era coberto com um tecido vermelho sangue, que escapava pela manga vaporosa. Dany percorreu a distância entre o castelo e o lago no dorso de Drogon, as pessoas em Westeros o chamavam de Olho de Deus. Um imenso lago no coração do continente, com águas que ondulavam e batiam agitadas contra a terra. Era tão grande que mal era possível ver o outro lado da margem. No passado, os dragões Vhagar e Caraxes haviam travado uma luta mortal e sangrenta sobre suas águas, Dany conseguia sentir o sangue que deixaram naquela terra e águas.
       Quando ela desceu do dorso de Drogon, um vento norte soprava, agitando os estandartes dos senhores Westerosis. A torre branca dos Hightower, o sol e a lança de Dorne, o veado dourado em fundo preto de Gendry Baratheon, a truta saltitante de Correrrio, a lula gigante de Aisha Greyjoy, o falcão e a lua dos Arryn. Dany reparou nos rostos lisos de seus dothrakis. Olmo estava ali e Jhoqo, Merlo, Pono, Irro, Aggo, Rakharo, Jhogo, Temmo. Dany se lembrava de todos eles. Atravessaram com ela o mar até aquela terra distante. Não falharia com eles de novo.
        Havia também uma multidão de gente do povo comum, gente simples e de vida sofrida, que se acumulavam em torno do lago para vê-la. Dany também viu meistres, septões e seus feiticeiros vindos do outro lado do mar.
        Rakaharo carregou seu estandarte, o dragão de três cabeças de sua casa tremulando ao sabor do vento. Mas escondido dentro do bolso de seu vestido, estava o dragão de três cabeças que a filha pintara para ela.
       Enquanto Aggo e Rakharo a escoltaram até Leyton Hightower, que segurava sua coroa, os sinetes em suas tranças tilintando enquanto ela se deslocava pela multidão, silenciosamente pedindo força aos seus antepassados.
- Vossa Graça - Arianne Martell a reverenciou.
- Khaleesi - os dothrakis a saudaram enquanto ela passava.
- Vossa Iluminada - Doniphos Vhassar a cumprimentou, inclinando a cabeça solenemente em sua direção, assim como Benerro e Aisha ao seu lado.
- Mãe dos Dragões - Alguém a chamou da multidão.
       As pessoas se afastaram surpresas e fascinadas quando Drogon pousou rugindo e batendo asas no local onde Leyton segurava a sua coroa. Aquela não será vendida, Dany prometeu lembrando-se do irmão. Faço isso também por Viserys e por todo a minha casa. Por nossa honra, orgulho e por nossa responsabilidade. Por minha filha.
       Às margens das águas do Olho de Deus, Leyton depositou a coroa de ouro, prata, marfim, jade e ônix sobre sua cabeça, proclamando Daenerys da Casa Targaryen, Primeira de Seu Nome, a Nascida da Tormenta, Khaleesi do Grande Mar de Grama, Mãe dos Dragões, a Não Queimada e a Quebradora de Correntes como Rainha dos Ândalos, dos Roinares e dos Primeiros Homens, Senhora dos Sete Reinos e Protetora do Território.
- Vida longa à rainha!! - a multidão entoou e ao seu lado Drogon rugiu, fumaça saindo pelas suas enormes ventas.
- Vida longa à rainha!!
       Espadas e lanças foram erguidas no ar em seu nome. Dany olhou para Drogon, sentindo-se feliz. Nem sabia como tudo aquilo era possível, por isso saboreou cada pedacinho daquela sensação. Quando voltou-se coroada para a multidão, todos curvaram-se em sua homenagem.
        Mas então um formigamento familiar desceu através de sua coluna e Dany o viu antes mesmo de senti-lo. O sorriso que tinha morrendo aos poucos enquanto Jon Snow a observava em pé na multidão.

Sangue do DragãoOnde histórias criam vida. Descubra agora