A Não Queimada

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Naquela noite, Daenerys deixou a tenda o mais rápido que conseguiu. Um vento quente soprava vindo do Sul, das ilhas onde hoje era Valíria. O vento cortante fez o seus longos cabelos prateados dançarem no ar da noite. Sobre o céu, a enorme lua queimava, ardente como se tivesse febril, assim como ela se sentia. Olhar para aquela lua era como olhar novamente para dentro de seus sonhos, com a diferença que ele estava no horizonte, diante de seus olhos, em Valíria, de onde vozes sussurrantes eram carregadas pelo vento quente da noite como uma suave canção.

Abriu seus braços para o disco febril sobre o céu enquanto o vento sussurrante a atravessa, arrancando as pedrinhas afiadas de vidro de dragão da areia da praia – eu te amo, Dany - ele havia dito sobre aquela lua, enquanto os pés dos dois parecia afundar em sangue. Jon havia a abraçado, o suficiente para que Daenerys sentir uma necessidade compulsiva de se esfregar com água e sabão para se livrar da sensação do corpo dele contra o seu. Mas ali nada daquilo importava, não parecia importar. Ela sentiu o fogo a lavando e pelo canto dos olhos pode ver pequenas faíscas laranjas sendo levadas pelo vento. Alguém gritou seu nome, mas Drogon estava ao seu lado. Seu filho e seu dragão. O último dragão.

Daenerys escorregou para o seu dorso, sentindo o calor reconfortante das escamas do dragão entre suas pernas nuas. Ele se lançou contra a noite vermelha, deslizando como uma sombra entre as nuvens. Em segundos tudo ficou pequeno e distante novamente, exceto pela lua. Ela ficava cada vez maior, tão grande e tão próxima que parecia uma enorme boca sangrenta prestes a devorá-los – Drogon sonha com ela, com Valíria. O que você pode me ensinar que me fez vir até aqui, Drogon?

Seu dragão rugiu, seu som terrível enchendo a noite sobre aquelas terras calcinadas, talvez pela primeira vez desde as aventuras do Terror Negro por Valíria. Porém, no espaço de uma batida de coração, não havia mais sons enchendo o mundo de ruídos, apenas o som ofegante de sua respiração. O mundo era verde e claro mais uma vez. O ar cheirava a terra molhada e orvalho enquanto o pequeno dragão negro olhava com curiosidade para a criança de assombrosos olhos roxos sentada a sua frente. Ela lhe ofereceu um pedaço de carne crua cortado em cubinho, o dragão olhou pra ele sem vontade, mas ela parecia saber o que estava fazendo.

- Vamos Balerion, não seja mau humorado, Dracarys.

O dragão inclinou seu longo pescoço sinuoso, soltando um sibilado de fato mau humorado.

- Dracarys, vamos seu preguiço. Dra-ca-rys.

Ele olhou para o pequeno pedaço de carne, irritado por estar recebendo uma ordem, mas sentindo uma enorme fome. Seu pequeno peito se expandiu e seu fogo negro carbonizou a carne e ele enfim conseguiu olhar pra ela e então a comeu. A criança batia palmas, parecia radiante. O dragão estava grato, mas precisava de mais.

- Agora você poderá se alimentar sozinho, já sabe como se virar.

- Vai ser um dragão grande - um homem alto e de longos cabelos prateados comentou – Esses são os piores. Quanto mais crescem, mais perigosos.

- Sim, papai – A menina pegou o jovem dragão nos braços e ele se enrolou como uma serpente em volta do pescoço dela enquanto ela se afastava do homem.

- Aonde você vai, Daenys?

- Procurar Gaemon e buscar mais carne pra esta criatura de coração negro, ele ainda está com fome. Eu posso sentir o estômago dele roncando daqui.

O dragão estava com fome, sim, mas não gostava de ser carregado. Ele não demorou para se lançar contra os céu azul e voar sobre as colinas cobertas por florestas exuberantes e bater suas asas ousadas sobre as montanhas compridas onde os homens faziam suas tocas. Ele gostava de voar bem alto, gostava do calor das montanhas que cuspiam fogo, mas odiava a agitação abaixo delas. Ela nunca estava em silêncio, os homens estavam sempre trabalhando e criaturas odiosas se rastejavam sobre suas pedras e fogo. O dragão não gostava delas, não confiava em criaturas que se arrastavam pelo chão, e tampouco se importava com os dragões maiores que disputavam com ele a caça e os céus. Mas um dia tudo aquilo acabou, eles precisaram atravessar um longo mar e pararam de repente numa ilha escura. O dragão gostou dela, mas ele sentia falta das outras montanhas que cuspiam fogo. Mas a menina de assombrosos olhos roxos lhe dissera que eles estariam seguros ali. Quando o mundo rachou e o fogo engoliu a terra, o dragão sentiu de seu covil, mas era tarde demais para voltar, sua casa estava para sempre perdida.

Sangue do DragãoOnde histórias criam vida. Descubra agora