Capítulo um

32.6K 1.7K 363
                                    

Todos sabem que para viver é preciso ter um plano. Deixe-me explicar melhor: se você não souber o que fazer com sua vida, você simplesmente atravessa os anos sobrevivendo às circunstâncias, à mercê das decisões alheias. E, se você não está no volante de sua própria vida, qual o sentido de existir?

O sinal indicando o término de minha última aula soa, arrancando-me de meus devaneios. Finalmente posso ir para casa, para finalmente almoçar, para finalmente estudar mais um pouco, para finalmente ajudar meu irmão com sua lição de casa, para finalmente fazer o jantar, para finalmente tomar um banho, para finalmente dormir, para então acordar e começar tudo de novo no dia seguinte. Muitos "finalmente", eu sei, mas eles expressam como me sinto – apenas aliviada por atravessar cada hora do dia e poder descansar a cabeça sobre o travesseiro quando a noite chega.

Faço um esforço fenomenal para levantar da cadeira e caminhar até a saída. Infelizmente, o professor de matemática, Fernando, decide que é um lindo dia para tentar iniciar uma conversa comigo.

- Como está, Olívia? – ele me pergunta, exibindo um sorriso forçado em seu rosto.

Eu odeio aquele sorriso. Aquele sorriso que as pessoas me davam há dois anos, desde o acidente.

- Estou bem – digo. Não sei se falei a verdade ou não. Como se explica a alguém que você não sabe como está?

- Fico feliz – responde, mudando o peso de seu corpo de uma perna para a outra, como se estivesse desconfortável. – Sabe, tenho notado que você está um pouco distraída nas aulas desde o início do ano, na semana passada. Algum problema com o qual eu possa ajudar?

Eu respiro fundo. Ele não faz ideia de como essa pergunta me irrita. As pessoas estão mesmo interessadas em ajudar? Poderiam elas ajudar? Acho que não. Mesmo assim, já escutei o mesmo questionamento centenas de vezes nos últimos dois anos, desde o dia do acidente que custou a vida de minha mãe. Desde então tem sido eu, meu irmão Pedro, e meu pai ausente contra o mundo.

- Não, obrigada – exibo um sorriso forçado. – Está tudo bem.

- Eu sei que você passou por muitas dificuldades no seu último ano na escola e por isso desistiu de seu sonho. Só gostaria de dizer que estou feliz que você esteja fazendo preparatório para o vestibular agora, e que isso com certeza é um grande passo para a sua vida.

Quem ele pensa que é? Meu terapeuta?

- Obrigada, professor.

Ele sorri, pega seus livros e sua bolsa, e sai porta afora.

Eu fecho meus olhos e respiro fundo. Embora os comentários de Fernando tenham me deixado um tanto irritada, ele até que tem um pouco de razão. No terceiro ano do Ensino Médio, há dois anos, tudo o que eu pensava era em conseguir passar no vestibular para Biologia Marinha – e em me divertir, obviamente. Eu já tinha tudo planejado: eu faria meu curso aqui na cidade, assim como meu namorado, Bernardo, que estudaria Jornalismo. Depois da formatura casaríamos e então iríamos morar no Havaí e viveríamos felizes para sempre. Perfeito, não?

Eu dou uma risada baixa com o pensamento. Meninas de dezessete anos podem mesmo ser ingênuas. Eu não esperava que, poucos meses antes do fim do Ensino Médio, eu teria também o fim da vida que costumava ter.

Em uma certa noite, enquanto dirigia com pressa para me buscar em uma festa, minha mãe foi atingida por um motorista bêbado, que furou o sinal vermelho. A batida foi no lado esquerdo, no banco do motorista, e o restante do carro continuou intacto. Minha mãe não resistiu e, apesar de ela ser a única pessoa de nossa família naquele carro, é como se todos nós tivéssemos morrido um pouco. Principalmente meu pai.

Depois que você chegouOnde histórias criam vida. Descubra agora