Por volta das duas da tarde eu acordo com meu celular tocando. Levanto, surpresa por ter caído no sono, e leio o nome no visor. Eu respiro fundo antes de atender.
- Oi, Bernardo – eu digo.
- Oi, amor – ele fala de um jeito carinhoso.
Sua voz imediatamente me acalma.
- Aconteceu alguma coisa?
- É preciso que esteja acontecendo alguma coisa para eu ligar para a minha namorada? – Bernardo pergunta com divertimento em sua voz.
Eu abro um sorriso triste. Ele tem razão. Por que tenho o costume de sempre esperar pelo pior?
- Desculpe.
- Não precisa se desculpar, amor. Só estava com saudades.
- Eu também.
- Será que podemos nos ver hoje? – ele pergunta. – Já faz quase uma semana. Você está sempre ocupada.
Eu sou, provavelmente, a pior namorada do mundo.
- Claro. Quer vir aqui mais tarde?
- Com certeza – responde, e consigo ouvir o sorriso em sua voz. – Te vejo em uma hora.
Desligamos e me jogo de volta no sofá. Tenho sido uma porcaria de uma namorada ultimamente, e devo muito a Bernardo, que não me abandonou nem mesmo quando passei por todas as dificuldades que vieram após o acidente de minha mãe.
Agora já namoramos há dois anos e meio e, embora não pareça tanto tempo, eu sinto como se estivéssemos juntos a vida toda. Nosso relacionamento não é mais o mesmo. Mas eu também não sou.
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Dois anos antes
- OLÍVIA! – Lana, minha melhor amiga, visivelmente bêbada, grita enquanto anda em minha direção com os braços levantados. Ela balança seu corpo no ritmo da música eletrônica ensurdecedora que está tocando.
Eu não consigo segurar a risada; ela está muito ridícula. Sua maquiagem está borrada e seu cabelo é uma confusão.
- Ei, eu estava tentando te encontrar – digo. – Onde você se meteu?
Ela abre um sorrisinho e aponta com a cabeça para Marcos, um amigo nosso.
- Não! – eu exclamo, já começando a rir. – Jura? Eu não acredito nisso!
- Nem eu! – ela ri, pulando e batendo palmas. – Sabe há quanto tempo eu queria ficar com ele?
- Sua vida inteira?
- Minha vida inteira!
Eu passo meu braço em volta do ombro dela enquanto caminhamos em direção a nossos amigos, que estão em uma roda, bebendo e conversando. Quando Bernardo me vê, seu rosto acende com um enorme sorriso e, involuntariamente, meu coração começa a bater mais rápido. Estamos namorando há seis meses e eu não acho que algum dia poderei amar alguém tanto quanto eu o amo.
Ele se aproxima para me dar um beijo.
- Oi de novo – ele diz.
Eu coloco meus braços ao redor de seu pescoço para chegar mais perto dele. No mesmo instante, sinto meu celular vibrando em meu bolso. Eu reviro os olhos e bufo, irritada.
- Espere um pouco, preciso atender.
Não preciso nem mesmo olhar no visor para ver quem é.
- O que foi, mãe? – eu pergunto.
- Você já viu que horas são, Olívia? – mamãe, extremamente irritada, fala.
- Sim, eu tenho relógio.
- Nós combinamos que você voltaria para casa às 2 da manhã. Já são quase 5 horas! – ela praticamente grita. – Os pais da Lana não iam te dar uma carona?
- Sim, mas a mãe dela ainda não veio, deve ter dormido.
- Então por que você não me ligou? Eu buscaria você! E por que não atendeu o celular antes? Eu estava preocupada!
- Ah, mãe, pare de me incomodar, está bem? Não estou fazendo nada de errado.
Ela fica em silêncio por alguns segundos e tudo o que consigo ouvir é sua respiração. Quando ela volta a falar, sua voz está um pouco rouca, e seu tom é de tristeza:
- Espero que um dia você se arrependa por falar dessa forma comigo. Eu estarei aí em quinze minutos, me espere no estacionamento.
E então ela desliga. Eu reviro os olhos, irritada pelo sermão desnecessário.
No final das contas, ela nem mesmo apareceu para me buscar. Liguei uma vez para seu celular e, já que ela não atendeu, voltei para a festa. Fui para casa duas horas depois, de carona com a mãe de Lana.
Já estava amanhecendo quando cheguei em casa e eu mal podia esperar para me jogar na cama e dormir. Ainda bem que era sábado e eu poderia ficar na cama até às cinco horas da tarde.
Conforme me aproximava da casa, achei estranho que nem o carro de minha mãe e nem o de meu pai estavam na garagem. Ao invés disso, havia um carro da polícia cuja placa eu não conhecia. Será que papai havia trocado de viatura?
Entrei em casa um tanto desconfiada, e encontrei um policial sentado no sofá da sala. Eu o conhecia; era colega de trabalho de papai. Ele tinha uma expressão de tristeza em seu olhar que se intensificou quando me viu. Olhei para o outro sofá e meu coração se acalmou ao ver que Pedro dormia tranquilamente agarrado em seu ursinho de pelúcia.
- Está tudo bem? – perguntei.
É claro que não estava.
- Sente-se, Olívia– ele me diz.
- Estou bem de pé – digo, começando a ficar nervosa. – O que está acontecendo?
Ele fica de pé e caminha em direção. O policial segura minhas mãos e olha em meus olhos.
- Onde estão meus pais? – pergunto, assustada.
- Seu pai está no hospital.
- O que aconteceu com ele? Onde está minha mãe? – meu tom de voz se resume em desespero.
- Seu pai está bem, Olívia. Mas sua mãe... – ele diz, e imediatamente meu coração começa a bater tão ferozmente que mal consigo ouvir as próximas palavras que saem de sua boca. – Ela sofreu um acidente de carro há poucas horas e não sobreviveu.
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Balanço a cabeça para afastar a memória dolorosa que me assombra todos os dias pelos últimos 24 meses. Como sempre, não consigo deletá-la de meus pensamentos. No entanto, ela fica em segundo plano quando a campainha toca e sei que Bernardo chegou. Estou feliz que ele esteja na cidade. Ele tenta vir todas as sextas-feiras à tarde e fica até domingo, quando volta para a faculdade, no entanto, não é sempre que consegue vir.
Nós passamos a tarde conversando e, como sempre, na hora em que ele foi embora, vi um flash de tristeza atravessar seus olhos. Sei que ele espera que a qualquer momento eu vou simplesmente voltar a ser a pessoa feliz e extrovertida que era antes de tudo mudar, mas isso não vai acontecer. Você não pode consertar o vidro uma vez que esse se quebra. Você não pode tentar fazer algo ficar inteiro quando todas as partes já foram perdidas. Não há como consertar o que já está há muito tempo quebrado.
Pelo menos era isso o que eu pensava.
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Depois que você chegou
RomanceApós o acidente que matou sua mãe, Olívia mudou. Antes, sua vida se resumia a festas e diversão, mas depois da trágica noite, ela passou a cuidar de seu pai, um policial, e de seu irmão, Pedro, de apenas três anos. Dessa forma, quando terminou o últ...