Capítulo três

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- Você ainda está acordada – papai diz quando chega em casa e me avista sentada no sofá. – Que bom, tem uma coisa sobre a qual eu gostaria de conversar com você.

Estranho. Faz tempo que ele não faz questão de trocar uma palavra sequer comigo.

- Sobre o que é? – pergunto.

Ele se senta no sofá ao lado e apoia seus braços nas pernas ao se inclinar para a frente.

- Você se lembra da minha prima, Karen?

Eu franzo o cenho. Recordo-me do nome, porém nenhuma imagem vem à mente.

- Minha prima que mora em Minas Gerais, que se casou com um empresário multimilionário? Eles vieram nos visitar há nove anos. Ela tem um enteado um pouco mais velho que você, lembra? – ele diz, animado. – Vocês brincaram todos os dias quando ele estava aqui... Como era mesmo o nome dele?

Gabriel.

- Acho que é Gabriel – digo.

- Ah, sim, isso mesmo – ele fala, sorrindo.

Eu não consigo não sorrir de volta. Há muito tempo não via um sorriso genuíno no rosto de meu pai.

- O que tem eles?

Ele esfrega as mãos juntas e se reposiciona no sofá, descansando suas costas no encosto.

- Bom, eles estão com um pequeno problema – ele comenta. – Gabriel tem uma banda, e os meninos são bons e estão fazendo algum sucesso.

- Isso é um problema?

- Não, eles estarem fazendo sucesso é algo incrível. O problema é que havia um esquema de drogas acontecendo nas apresentações dos garotos – papai diz. – Em todos os shows que faziam, às vezes para cem ou duzentas pessoas, a venda de drogas era extremamente comum.

- E o que aconteceu? – pergunto, me sentindo mais interessada do que provavelmente deveria.

- Em um dos shows, uma garota de quinze anos morreu de overdose e um garoto de dezoito foi morto com socos por dois outros rapazes da mesma idade. Ambos estavam drogados.

Eu me inclino para a frente, surpresa.

- E então? O pessoal envolvido foi preso?

- Não, não foram. A polícia não conseguiu descobrir quem eram as pessoas vendendo drogas nos shows que, por coincidência, eram as mesmas que forneciam para a cidade toda. E por causa da repercussão, vários fãs pararam de ir aos shows, com medo.

- Então eles conseguiram se safar?

- Não, é aí que entra o objetivo dessa história – papai diz, preocupado. – Gabriel sabia quem eram as pessoas que estavam vendendo drogas e, apesar de os demais garotos da banda não concordarem com ele, com medo de isso piorar ainda mais a situação, ele foi até a polícia e disse quem eram os traficantes.

- Nossa – digo, surpresa. - Que coragem. Mas como ele sabia quem eram?

- Ele disse que quando se está sobre o palco você consegue ver o que as pessoas não querem que seja visto – ele diz, achando graça. - Depois de identificar os rostos, bastou pedir informação para alguns fãs para que ele descobrisse os nomes. Obviamente, todos os envolvidos já tinham passagem pela polícia e foi fácil identifica-los para os policiais na delegacia.

- Todos foram presos?

- Não, alguns fugiram quando viram que a polícia chegara ao show. De alguma forma, descobriram que quem havia os entregado era o vocalista da banda, Gabriel.

Fico apreensiva.

- O que aconteceu com Gabriel?

- Os traficantes o ameaçaram de morte. Seu pai ficou louco e o mandou passar um tempo em outra cidade, até que as coisas se acalmassem.

- E?

- E então os traficantes, que estavam envolvidos com outras pessoas muito más e que também foram prejudicadas por causa do ocorrido no show, descobriram que Gabriel era filho de Enzo, um dos empresários mais ricos do estado – papai diz, levantando-se do sofá. – Eles conseguiram encontrar Gabriel e o sequestraram, pedindo uma quantia absurda no resgate.

Percebo que estou nervosa porque estou apertando meus punhos com força.

- Enzo pagou pelo resgate?

- Sim, mas os traficantes não libertaram seu filho. Ele ficou três dias em cativeiro, até que a polícia o encontrou. Um dos traficantes foi preso, mas os outros não foram encontrados. O pior de tudo é que eles não eram apenas um grupo de caras que vendia drogas no bairro; eles faziam parte do maior grupo da cidade, que fora defasado por causa de um rapaz de 21 anos.

- E Gabriel está bem agora?

- Sim, ele está. Mas já sofreu inúmeras ameaças de morte e seu pai e Karen estão com muito medo.

- O que eles vão fazer? – pergunto.

- O que é que nós vamos fazer.

- Como assim?

- Karen me perguntou se Gabriel poderia ficar aqui por algum tempo, até que os policiais consigam prender os traficantes. Ela pensou que, como conseguiram encontrar o garoto na cidade vizinha, era preciso que ele fosse mandado para mais longe. Florianópolis é longe o bastante para que ele fique seguro.

Eu balanço a cabeça, um pouco preocupada.

- Você acha que isso é uma boa ideia? – pergunto. – Não quero colocar Pedro em perigo. Gabriel poderia muito bem alugar um apartamento e morar sozinho. O pai dele tem dinheiro.

- Não vamos colocar Pedro em perigo, querida. E, embora Gabriel não seja de fato filho de Karen, eu o considero família. Não podemos negar nossa família – ele fala, sentando-se ao meu lado e segurando minhas mãos. – Além disso, você teria um amigo.

Fecho meus olhos com força, não sei porquê.

- Eu não preciso de amigos.

- Todos nós precisamos de amigos, meu amor. Você também.

- Não sei se concordo com isso tudo.

- Ele estaria mais seguro conosco. Eu posso protege-lo.

- Você nunca está em casa, papai.

Ele suspira, triste.

- Eu sei, querida, mas vou tentar mudar isso de agora em diante. Quero fazer parte da sua vida, e quero fazer parte das maluquices do Pedro – papai diz, e vejo que seus olhos estão marejados. – Sinto tanta falta de vocês. Sinto falta de nossa família.

Eu não digo mais nada. Apenas nos abraçamos.

Sinto que as coisas estão prestes a mudar para melhor.

Depois que você chegouOnde histórias criam vida. Descubra agora