Capítulo vinte e quatro

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Durante todo o caminho para o hospital, eu me senti culpada, como já era de se esperar. Enquanto Bernardo estava sofrendo sem ter notícias da condição de sua mãe, eu estava a ponto de fazer sabe-se lá o que com Gabriel. Eu suspiro, chateada com a situação na qual havia me metido. O pior de tudo? Eu realmente teria ido em frente com o beijo se aquela ligação não tivesse ficado no caminho.

As imagens do que aconteceu entre Gabriel e eu invadem a minha mente e não posso controlar o arrepio que percorre meu corpo, que parece sentir falta dele. Dói a certeza de que as coisas ficarão complicadas entre nós e, ao mesmo tempo que sei que nos afastarmos seria bom para meu relacionamento com Bernardo, eu não o quero longe de mim – eu o quero o mais perto possível, e isso tem me deixado acordada à noite. Se eu tinha qualquer dúvida sobre estar nutrindo algum sentimento por Gabriel, todas elas foram destruídas quando eu senti seus lábios em minha pele, subindo por meu pescoço e fazendo seu caminho até o canto de minha boca.

Droga. Mais uma vez eu estou pensando nele quando não deveria.

Bernardo me explicou, com muita dificuldade, que sua mãe havia sofrido um AVC. Ele havia a encontrado de tarde, no meio de uma convulsão, caída no chão da cozinha. Enquanto me contava, eu sentia as lágrimas quentes correndo por meu rosto – parte porque eu sei qual é a sensação de perder alguém que se ama, parte porque eu quase o trai. Dessa forma, quando finalmente cheguei à fria sala de espera do hospital, corri para abraçar meu namorado, que chorava baixinho, com as mãos sobre o rosto.

Fiquei com ele por cerca de uma hora, até que os médicos trouxeram a triste notícia de que ela não havia sobrevivido. Vi todas as esperanças de Bernardo se quebrarem, bem na minha frente, com a notícia de que a única família que ele ainda tinha, havia partido. Ele nunca conhecera seu pai, seus avós estavam mortos e sua mãe era filha única, o que significava não ter tios ou primos. Ele soluçava, inconsolável. Eu chorava pela perda de sua mãe, que era uma pessoa pela qual eu tinha um imenso carinho, e chorava porque agora meu namorado saberia, para sempre, como é a dor de perder alguém especial.

Naquela noite, como é de se esperar, não dormi. Sem saber o que fazer, levei-o para seu apartamento e o abracei até que, eventualmente, ele parou de chorar e adormeceu por poucas horas. Quando acordou, eu ainda podia ver a tristeza em seus olhos, mas a dor dilacerante que expressava havia diminuído – ele começou a compreender que aquilo era real e que não importava o quanto chorasse, sua mãe jamais voltaria.

Ajudei-o a lidar com toda a burocracia estressante envolvendo o velório e o enterro; quando mamãe morreu, eu tenho certeza de que papai desejou que alguém pudesse ajuda-lo com todas as coisas ruins que vem após a morte de uma pessoa – como se perder alguém que ama não fosse o suficiente, você ainda precisa escolher um caixão para que ela se decomponha dentro.

Papai foi ao velório, para nos dar apoio. Sei que para ele isso ainda é muito difícil, mas ele foi mesmo assim e eu fiquei imensamente grata por vê-lo lá. Nos dias seguintes, eu fiquei com Bernardo em seu apartamento, já que seu amigo havia recentemente se mudado e ele não teria ninguém. Fiz a comida, limpei tudo o que havia para limpar, fiz as compras no supermercado e tentei ao máximo dar a ele seu tempo para processar tudo o que aconteceu, sem tentar animá-lo ou fazê-lo rir. Quando passei pela mesma situação, tudo o que eu queria era que tivessem me dado algum tempo para chorar em paz, sem ser forçada a fingir que estava tudo bem e que eu iria melhorar em breve. Passei uma semana com ele, apoiando-o como podia. No oitavo dia, eu o vi sorrir pela primeira vez desde o dia do enterro.

Embora eu estivesse determinada em ajudar meu namorado, passar tantos dias longe de casa estava sendo difícil. Eu sentia falta de papai, de Pedro, dos meninos, e de Gabriel... Ele ocupava cada um de meus pensamentos, enquanto eu tinha certeza de que ele não pensava em mim, de jeito nenhum, considerando como deixamos as coisas entre nós. Eu liguei para casa algumas vezes, torcendo para que ele atendesse o telefone, mas por ironia do destino, papai ou Pedro sempre estavam do outro lado da linha. Pensei em mandar mensagens, mas toda vez que eu escrevia algo no celular, apagava tudo antes que a coragem de enviar chegasse. Eu mantive contato com os meninos, que me ligavam diariamente para conversar. Mas não havia notícia alguma de Gabriel; eles não diziam nada, e eu não tinha coragem de perguntar. Tudo o que eu sabia era que os garotos logo iriam voltar para Belo Horizonte e eu tinha muito, mas muito medo mesmo, que Gabriel voltasse com eles. Fiquei mais calma quando me prometeram que não iriam embora antes que eu voltasse para casa, porque queriam se despedir de mim.

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