Capítulo trinta

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Comecei a me sentir bem melhor na quarta-feira; até então, Gabriel havia feito por mim tudo o que eu deveria fazer, incluindo o almoço e jantar. Em todas as refeições, ele me olhava com expectativa conforme eu levava a primeira garfada de comida à boca. Não vou mentir e dizer que foi a melhor comida que já provei na vida, mas considerando que ele nunca havia cozinhado nada até poucos meses atrás, aquilo era um banquete. Então eu apenas sorria e balançava a cabeça em sinal de positivo, deixando-o perceber o quanto eu estava amando aquilo. Pedro fazia o mesmo, mas ele era bem menos convincente.

Por sorte, eu já estava muito melhor e pelo bem da saúde de minha família, eu havia recuperado o posto de cozinheira da casa. Papai chegou cedo nessa noite e, após tomar um banho, foi até a cozinha para me ajudar. Ele estava estranho, talvez pensativo e um pouco nervoso. Sua tensão era palpável.

- Está tudo bem no trabalho, pai? – resolvi perguntar.

Ele continuou a fatiar os tomates, acenando com a cabeça. Mas ele era tão bom em mentir quanto Pedro.

- Pai, eu sei que tem alguma coisa errada – digo, apoiando-me no balcão da pia.

Ele seca a mão no pano de prato e se vira para me olhar.

- Olívia, tem uma coisa sobre a qual eu queria falar com você... – seu tom de voz é preocupado.

- Pode falar.

Ele expira, cruzando os braços sobre seu peito e desviando o olhar.

- É um pouco complicado, e tenho medo de sua reação.

No mesmo momento, obviamente, começo a ficar preocupada. Mil coisas se passaram pela minha cabeça: ele foi demitido, estávamos sem dinheiro, precisaríamos vender a casa ou que ele estava com uma doença grave.

- Você precisa me falar, pai. Não há como prever minha reação – tento encorajá-lo, mas percebo que minha fala acaba causando o efeito contrário nele, que agora parece ainda mais nervoso.

- Você se lembra da Juliana? – pergunta, cauteloso.

Sim, claro que eu me lembrava. Ela é colega de trabalho de papai, e sempre é muito simpática comigo e com Pedro quando vamos até a delegacia.

Apenas balanço a cabeça.

- Bem... Eu descobri que ela sente algo por mim – diz.

Eu franzo o cenho.

- Você quer dizer que ela está interessada no senhor? – pergunto, incrédula. – Tipo, romanticamente interessada?

Vejo o rosto de meu pai ficar um pouco vermelho.

- Sim, filha.

- E qual o problema disso?

- Eu... – ele começa, mas se interrompe. Percebo que há uma fina camada de suor em sua testa enrugada. – Eu também gosto dela.

Minha primeira reação é pensar em como ele se atreve gostar de outra pessoa senão a minha mãe, deixando-me extremamente irritada. No entanto, antes que eu possa dizer qualquer coisa rude, meus olhos se arregalam com a lembrança de que mamãe não está mais aqui há muito tempo.

Eu sei o quanto ele amou minha mãe, e sei também que ele viveu pelos últimos dois anos apenas para nós; esforçou-se muito para que não nos faltasse nada, passava os finais de semana em casa sempre que podia e não saiu mais com amigos. Lembrar disso apenas me fez perceber o quanto papai fora solitário nos últimos tempos. De fato, ele tinha a Pedro e eu, mas Pedro é apenas uma criança, e eu estive tão absorta em meu próprio luto, tristeza e afazeres, que em momento algum pensei que papai pudesse sentir falta de ter companhia.

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