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Pouso o dinheiro no balcão e vou-me embora. Não sei como a minha mãe vai reagir por isso, cubro a cabeça com o capucho do meu casaco. Chego a casa muito rapidamente, já ansiosa por ver a reação de Shawn e bato à porta.

- Estava a chover? - a minha mãe pergunta olhamdo-me de cima a baixo.

Ela deve achar que o tempo a ser ignorada já acabou mas está enganada. Não lhe respondo e vou para o meu quarto. Tiro o casaco e olho-me ao espelho. O meu cabelo menteve-se liso e comprido, mas azul escuro com algumas madeixas mais claras. Pego no computador e sento-me na cama com ele nas minhas pernas. Certifico-me de que tenho luz suficiente para se reparar bem no cabelo e ligo a Shawn, ele ja sabe que odeio o meu aniversário por isso nem espero qur ele me dê os parabéns. Ele atende automaticamente.

- Olá! - diz alegre. Vejo o seu sorriso desaparecer e ele olhar confuso para o ecrã. - O que é que fizeste ao cabelo?

- Pintei-o de azul. - digo e pouso o cabelo num dos meus ombros. - Gostas?

Ele olha melhor para mim e sorri abertamente.

- Adoro! Especialmente por que pareces mais feliz.

- É só impressão tua. Continuo a odiar isto tanto como há uma semana.

- Já falas com a tua mãe?

- Hoje pedi-lhe para voltar. Isso conta? - pergunto.

- Não brinques, Jo. Ela deve estar triste.

- Esse é o objetivo. A Aaliyah?

- Com amigas.

- Então vou mesmo ter de continuar a falar contigo, hein?

Ele revira os olhos e pega na guitarra.

- Não precisas de falar. Cantas comigo?

Ele faz beicinho e eu não resisto. Trouxemos o piano mas ainda não lhe toquei desde que chegamos. Levo o computador comigo e sento-me ao piano.

- Kid in Love? - pergunto e ele acena que sim com a cabeça.

Começamos a tocar. Ele na guitarra, eu no piano, os dois a cantar. É nestes momentos que me sinto feliz, Shawn tem este efeito em mim. Ele e a música são provavelmente as coisas que mais amo. Dou a última nota no piano e olho para o rapaz corado do outro lado do computador. Sou a pessoa mais sortuda do mundo por tê-lo sempre aqui quando preciso. Ele fica simplesmente a olhar para mim durante o que pareceu uma eternidade.

- Gosto mesmo desse novo cabelo. - murmura e pisca-me um olho.

Sinto-me corar ligeiramente e olho para baixo. Era neste momento que Shawn pousava a mão na minha face e fazia-me olhar para os seus olhos. E me beijava. As saudades que eu tenho de tudo isso!

- Acho que tenho de desligar, a minha mãe está a chamar. - ele diz frustrado.

- Não faz mal. Amo-te!

- Também te amo!

Fecho o computador e olho para as teclas brancas e pretas à minha frente. Como é possível estas simples teclas me fazerem tão contente? Talvez seja só o que elas significam: Shawn, horas a cantar e tocar com ele, felicidade.

- Jantar! - a minha mãe diz batendo na porta do meu quarto.

Levanto-me do banco do piano e vou até à cozinha. A minha mãe olha para o meu cabelo e parece que viu um fantasma. Sento-me ao seu lado e ela toca-me no cabelo, talvez com esperanças de que a tinta saísse, mesmo ela sabendo que não.

- Não autorizei isto. - diz.

- Deixei de lhe pedir autorização para o que quer que fosse. - digo amargamente e sirvo-me de comida.

- Joanne eu e o teu pai estivemos a falar e achamos que não estás bem. E se queres começar bem a escola, tens de estar melhor do que estás agora.

Ela espera que eu diga algo, mas em vão. Não faço a mínima ideia do que aí vem.

- Decidimos que vais passar a ir a um psicólogo. Ele vai ajudar-te muito, acredita.

- Agora acham que sou louca e preciso de ajuda para me equilibrar, é?

- Não, filha. Achamos que precisas de ajuda para te acalmares.

- Muito bem. Então eu vou acalmar-me para o meu quarto.

Levanto-me e bato com a porta do quarto ao entrar. Bufo e deixo-me cair na cama. Pelo menos, no tempo que estiver com o tal psicólogo não vou ter de estar com os meus pais. Pego no telemóvel e dou as boas noites a Sierra e Shawn. Fecho os olhos e esforço-me por adormecer mas visto que é impossível vou para a varanda do meu quarto. Odeio esta vista: as traseiras de um restaurante. É certo que cheira muito bem, mas o que se vê não é agradável. Há três prédios iguais ao meu e, com o restaurante, formamos um quadrado de cimento onde às vezes se vêm crianças a brincar. Mas hoje não. Hoje vejo um rapaz que deve ser da minha idade sentado no chão. Fico a observá-lo até ele se levantar e acenar-me. Fico muito confusa e por momentos penso que não é para mim mas ele faz sinal para eu ir ter com ele. Depois de muito esitar, lá vou. Há umas escadas de emergência, ou de manutenção, perto de todas as varandas e, com um salto, passo para essas escadas e desço-as até ao lado do rapaz.

- Boa noite... - começo a medo.

Ele senta-se de novo no chão e eu vou sentar-me a seu lado. Não sei o que estou a fazer, mas há algo nele que me intriga.

- Já pensaste em vir para aqui desabafar? - ele pergunta.

Tem uma voz profunda e grave que me entra pelos ouvidos e parece lá ficar a vibrar durante muito tempo.

- Desabafar?

- Sim, o som que se faz aqui fica abafado e quase ninguém consegue ouvir por isso... - ele levanta-se e olha para cima. Respira fundo e grita. - ARRUINAS-TE TUDO!

Assusto-me com o barulho que ele fez e espero que alguém venha reclamar mas parece que ele tinha mesmo razão.

- Experimenta. - ele diz.

- Como sabes que quero desabafar?

- Oh, eu sei. Isso é o que interessa.

Levanto-me e respiro fundo também. Não sei se isto vai sequer ajudar, mas não perco nada em tentar.

- COMO SE ATREVERAM A TIRAR-ME TUDO? ODEIO-VOS! - berro de olhos fechados.

Surpreendentemente, ajudou-me bastante. O rapaz sorri.

- Não me vais perguntar quem é que odeio? - pergunto.

- O mundo não gira à tua volta. Não me vai ajudar em nada saber dos teus problemas. - ele responde como se fosse óbvio.

- Tens razão. - murmuro e volto a sentar-me no cimento frio. - Chamo-me Joanne.

- Não.

- Como?

- Para mim, passas a ser a Coruja.

Franzo o sobrolho com o seu comentário.

- Por quê coruja? - pergunto.

- Os teus olhos são muito parecidos com os de uma coruja.

- Por serem verdes?

- Sim, mas também por serem curiosos, atentos, espertos e profundos. E por teres esse cabelo azul.

- Uma coruja azul? - pergunto confusa.

- Consegues imaginar uma coruja azul?

Aceno que sim com a cabeça.

- Então... Por que não pode haver uma coruja azul se a podes imaginar?

Sorrio levemente e olho para ele.

- Ok, coruja serei. E tu? - pergunto.

- Tenta descobrir. - ele diz e começa a afastar-se.

Quando já não o vejo, levanto-me também e subo de novo para o meu quarto. Não demoro a adormecer.

An All New LifeOnde histórias criam vida. Descubra agora