Fecho computador e deparo-me com um Cascavel confuso.
- Amigo complicado? - pergunta e encosta-se à parede.
- Não sabia se te podia chamar amigo... - digo e retiro o lenço ensopado de sangue da minha cara. - Que é que faço a isto?
Ele vem de novo para o meu lado e volta a passar as mãos na minha face. Os nossos olhares cruzam-se e não consigo desviar os meus olhos. Lá no fundo, bem lá no fundo, vejo um pequeno brilho nos olhos de Cascavel. Será de felicidade? Antes de conseguir pensar no que quer que seja, é ele que desvia o olhar.
- Acho que o sangue já estancou. - ele passa o polegar levemente na ferida e eu arrepio-me. - Não foi nada.
Ele volta a sentar-se contra a parede.
- Acho que temos de ensinar umas quantas coisas ao Runner. - diz e fecha os olhos. - Onde estiveste hoje à tarde?
- Psicólogo.
- Os meus pais também já me obrigaram a ir a um. Tudo o que aqueles velhos fazem é mandar-te mais para baixo.
- Como sabes que fui obrigada?
- Oh, tu nunca irias a um psicólogo por vontade própria! E deixa-me adivinhar: saiste de lá fula da vida.
Não suporto dar-lhe razão, e por isso ignoro-o. A ferida ainda me arde bastante e simplesmente não consigo afastar a dor. Levanto-me e pego no computador.
- Já vais? - ele pergunta.
- Sim, a minha mãe não deve saber onde ando. - respondo e faço festas a Runner em sinal de despedida.
Quando estou quase a subir as escadas para o meu quarto, ouço-o.
- Coruja!
Olho para trás.
- Sim? - pergunto.
- Prédio à esquerda do teu, 3º direito. - ele diz e volta a fechar os olhos.
Continuo o meu caminho para o meu quarto e, ao sentar-me na secretária, volto a ligar a Shawn.
- Continuas com o teu amiguinho? - ele pergunta automaticamente.
- Não. - olho para baixo. - Shawn... Temos de falar.
Ele parece confuso e preocupado.
- A Luise anda a telefonar-me, sempre para me dizer para falar contigo sobre a Chris.
Shawn franze o sobrolho.
- E depois? - pergunta.
- Ela diz que vocês estão mais próximos outra vez...
- Ela está diferente, Jo. É só uma amiga. - ele diz.
Estou farta de chorar, estar triste e preocupada com tudo e por isso mudo de assunto.
- Quando me vens visitar?
- Ainda não sei...
- Ok, Shawn. Não é nada motivador quando estás assim. - digo impaciente.
- Assim como?
- Cheio de ciúmes, frio... Distante de mim.
- Se calhar é por que estamos mesmo distantes um do outro! Pelo menos, desde que me abandonas-te e foste para Nova Iorque!
As suas palavras atingem-me profundamente.
- Nunca quis vi para Nova Iorque. - digo o mais firme possível e desligo a chamada.
Deixo-me cair na cama e encosto a cara à almofada. Não te deixes levar. Mas já é tarde demais, já estou a chorar descontroladamente. As suas palavras ressoam na minha mente e não me deixam dormir. Não me deixam pensar. Quase não me deixam respirar. Não fui jantar e mantive-me na cama, agarrada à almofada. É a única coisa que tenho neste momento... Cascavel. Tenho-o a ele. Levanto-me de repente e vejo se o encontro no pátio de cimento. Nada. Não sei onde vive para ir ter com ele. Calma. Prédio à esquerda do teu, 3º direito. Muito provavelmente é onde Cascavel vive. Volto para as escadas de emergência e tento perceber onde deve ser a janela do apartamento dele. Esito durante imenso tempo, mas bato levemente no vidro.
- Cascavel? - pergunto a medo.
Instantes depois, ele vem abrir. Fico subitamente aliviada.
- Mas que raio é que tu queres? - ele pergunta e esfrega os olhos. Ja devia estar a dormir.
Ele olha para mim. Basta um segundo a trocar olhares comigo, e percebe que estive a chorar. Ele agarra a minha mão e puxa-me para o seu lado. Não aguento. Eu preciso de alguém. Passo os meus braços à sua volta com força. Ele fica congelado durante uns breves segundos mas acaba por abraçar-me de volta.
- Quem é que te pôs assim? - pergunta quando nos separamos.
Conto-lhe a conversa com Shawn o mais rápido que consigo para não ter de falar mais. Só agora olho à minha volta. Este deve ser o quarto de Cascavel. Tudo o que posso ver é preto e há algumas fotos espalhadas.
- Gostas de fotografia? - pergunto fungando.
- Sim, acho uma arte maravilhosa. - ele diz. Percebo que está a tentar distrair-me. - Não fiques assim.
Ele pousa uma mão na minha bochecha. Oh não. Outra vez não. O nossos olhares cruzam-se mais uma vez. Continuo a ver um brilho nos seus olhos que não percebo, mas do qual não me consigo abstrair. Ele respira fundo e deita-se na cama.
- Que estás a fazer? - pergunto.
- Dormir. Estava a fazê-lo antes de apareceres. - ele diz.
Começo a dirigir-me à janela mas detenho-me.
- Posso.. Quero dizer... Deixas-me... - digo.
- Anda lá e cala-te. - ele diz e chega-se para a ponta da cama.
Deito-me hesitante na cama e fecho os olhos. Cascavel faz círculos com o meu cabelo até eu adormecer.
✖️✖️
- Coruja, é melhor ires embora. - ouço uma voz grave perto do meu ouvido.
Aceno que sim com a cabeça e levanto-me.
- Obrigada. - digo antes de me içar para as escadas de emergência.
Salto para a minha varanda e entro no meu quarto. Sento-me na ponta da cama e fecho os olhos. Shawn estará arrependido, ou ele disse finalmente o que sentia? Tento pensar se fosse ele a ir viver para longe, como eu ficaria. Se me iria sentir abandonada. Muito provavelmente, sim. Sentiria-me igual, mas faria o possível para não o demonstrar. Para não o magoar. E foi exatamente o que ele fez, ele tentou fazê-lo. Mas eu, estúpida, tinha de lhe ter falado de Cascavel. Tinha de o pôr com ciúmes. Estragas-te tudo. Não valho nada. Esforço-me por me levantar e sair de casa. A mesma rua do costume, cheia de pessoas. Desta vez sou eu que dou empurrões, apressada. Chego à praia e arranjo um lugar escondido entre as rochas e sento-me na areia. Junto os joelhos ao peito e olho para o mar. Se o atravessasse, iria dar a Portugal. Será que lá me esperava uma vida melhor? Será que se nunca me tivesse mudado para o Canadá, tudo teria sido perfeito? Perfeito não. Nunca teria conhecido Shawn. Sinto uma lágrima escorrer pela minha bochecha e limpo-a rapidamente. Não vou chorar mais. Vou viver. Deito-me de costas na areia e fecho os olhos.
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An All New Life
FanfictionSequela de Stitches. Aconselho a lerem primeiro a "Stitches (Shawn Mendes)". Chamo-me Joanne. - Não. - Como? - Para mim, passas a ser a Coruja. Franzo o sobrolho com o seu comentário. - Por quê coruja? - pergunto. - Os teus olhos são muito par...