Dylan Narrando - I Parte

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Não achei que fosse conseguir domar a fera. Pensei mil e uma vezes antes de tomar a decisão de vir até a casa de Scarlatti. Estava ciente dos 99,9% de chance de ser rejeitado e voltar com o rabo entre as pernas para o plano inicial, que era ficar de guarita na frente da sua casa até o horário que combinou o jantar com o Jorge Lucas. Seria ridículo, é verdade, mas e daí? Um cara apaixonado tem carta branca pra esse tipo de coisa, não tem? Do contrario, qual seria a graça de ser estar apaixonado? E onde obteríamos desculpa melhor para fazer tais idiotices?

Mas, felizmente, Scarlatti me recebeu. O porteiro ter aceitado minha propina contribuiu muito, lógico - ainda bem que ele não era do tipo honesto, senão nada teria acontecido. Tive dificuldades em dobrar Scarlatti, afinal as coisas com ela nunca eram simplesmente simples. E quando a Ruiva ligou, achei que todo o esforço que fiz iria desandar mesmo. Mas depois de ver que rejeitei a ligação sem nem hesitar, Scarlatti cedeu, para minha surpresa, e agora estávamos ali, assistindo Os Mercenários em seu sofá e comendo pipoca.

Scarlatti estava estranhamente quieta. Tinha ficado assim do nada, nem parecia mais prestar atenção no filme que escolhi para assistirmos. Os Mercenários não era um dos melhores filmes - ao menos para mim - mas serviria. Meu único propósito ali era ter Scarlatti por perto. Poder vê-la e tocá-la era bom demais e eu já estava viciado além da conta para querer ir atrás de alguma cura.

Mas Scarlatti parecia estar ativada no modo automático. Encarava a TV sem realmente vê-la, jogava pipoca na boca sem registrar seus movimentos e mastigava provavelmente sem sentir o gosto.

Tendo aquilo já me estressando, senti que precisava dar um jeito de inverter as coisas. E foi justamente por isso que eu propositalmente tombei meu balde de pipocas.

- Ai, droga! - Finjo me irritar. Pelo canto do olho vejo Scarlatti virar o rosto para mim, e depois voltar a encarar a TV.

- Vai limpar tudinho - me diz, e embora soe como um aviso, não é tão ameaçador.

- Sou um desastrado - digo, olhando para o lençol de pipocas sobre mim. Eu sacudo minha camisa e parte delas caem no chão e na mesinha de centro.

- Será que dá pra você limpar isso? - Ela está começando a ficar irritadinha.

Ótimo. Sinal que meu plano está caminhando bem.

- Agora? Na melhor parte do filme? Nem pensar! - Eu dou uns pulinhos para ficar bem ao seu lado e faço menção de pegar um pouco de pipocas do seu balde.

Scarlatti se esquiva e afasta o balde.

 - Ta falando sério? Vai mesmo me negar pipoca?

- Você tombou a sua. Se quiser mais, faça mais. - Ela joga algumas na boca e mastiga. O movimento do seu maxilar enquanto mastiga dá aos seus lábios uma projeção fofinha, e eu me pego sorrindo feito um idiota enquanto a olho. Fazendo um programinha qualquer, e vestida daquele jeito, Scarlatti quase parece uma mulher normal.

- Eu não sei fazer pipoca, lembra?

- Então fiquei sem comer - ela rebate.

Eu suspiro e faço uma carinha cabisbaixa, mas nada muito forçado que é pra ela se comover de verdade. Viro-me para encarar a TV e ponho minhas mãos no colo. Mentalmente e e de forma regressiva, eu conto de um a dez. Quando estou no dois ouço Scarlatti bufar e vejo seu balde de pipocas entrar em meu campo de visão.

Podem me chamar de estrategista.

- Pega - ela diz contra vontade. Eu sorrio largamente, e, não me contendo apenas com a pipoca, me achego mais e passo um braço por cima dos seus ombros - Eu ofereci a pipoca, não meu corpo.

Minha Tentação - CONCLUÍDOOnde histórias criam vida. Descubra agora