Scarlatti Narrando - II Parte

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Estou sentada na frente de Laura ja faz um tempo, e ainda não sei como começar o relato da história que desgraçou minha vida sem cair aos prantos em seguida. Laura não me pressiona, mas posso ver a curiosidade em sua íris.

- Eu já fui casada - começo, e agora sei que não tem volta. Já está sendo difícil, pois posso enxergar minha vida correndo feito um filme em minha cabeça - Conheci Robson ainda na faculdade de Administração. Ele era um cara legal, e saíamos às vezes. Sabe, com a galera da faculdade. Ele acabou se tornando um amigo - eu engulo a seco e me concentro para não chorar. Pelo menos não ainda - Ele... Robson queria ser pai. Descobri que partilhava o mesmo sonho que eu; de formar uma família. Eu era totalmente o oposto do que sou hoje. Tinha tanto sonhos... Amigos... Meus pais... - eu deixo escapar um soluço, e paro para me conter mais uma vez. As recordações são dolorosas. Eu respiro fundo e prossigo. - Robson e eu começamos a nos envolver. Eu achei que o amava - eu bufo e rio ao mesmo - Mas o pior foi descobrir mais tarde que estava enganada ao pensar que ele também sentia o mesmo. No início ele era um cara bom, meus pais o amavam. Sempre foi responsável, estudioso, educado, e ainda por cima era lindo. Eu quase não acreditava na sorte que era tê-lo apaixonado por mim, uma garota tão sem graça. Fisicamente, eu não mudei muito, mas não tinha nem um terço do poder que sei ter sobre os homens hoje. Eu era exatamente como aquela ruiva. - Lembro-me da ruiva de Dylan no elevador, de cabeça baixa e sorriso tímido, quase amedrontada por estar entre tantas pessoas. Eu no passado. Que ironia. Todavia sei que isso é o que me faz temê-la tanto. A inocência dela é exatamente o que muitos homens procuram numa mulher quando querem formar uma família. E, agora que Dylan está a frente da agência, nada mais natural que ele comece a sentir desejos de obter uma, principalmente agora por ver que seu irmão já tem a sua e que provavelmente não irá mais dar-lhe tanta atenção como antes. Era isso que me fazia ver a ruiva como uma ameaça; ela podia oferecer a Dylan o que eu não.

- Mas isso pareceu encantar Robson de alguma forma - eu continuo, deixando os pensamentos sobre a ruiva e sua iminente ameaça de lado - Talvez o fato de eu parecer ser tão submissa, o tipo de mulher que fica em casa e cuida dos filhos enquanto aguarda o marido voltar do trabalho que sustenta a família. Não sei, na verdade, mas Robson gostou de mim. Começamos a namorar e, em menos de dois anos, nos casamos. Ainda estava na faculdade, mas ele era ansioso, gostava das coisas logo e do seu jeito. Lógico que eu não tinha notado isso ainda, achando que ele era tão louco por mim que não queria mais ficar longe. E eu imaginava que nutria o mesmo por ele. Tola - eu bufo, esnobando a mim mesma naquela época - Em menos de um ano de casados, Robson me pressionou para lhe dar um filho. - E agora começa a parte mais dolorosa da história, a que é mais difícil lembrar ou falar - Eu... Eu tentei. Juro que tentei, Laura. Mas...

Através das lagrimas que já empoçavam minha vista, enxergo Laura sair da cadeira e vir se sentar ao meu lado. Quando ela pega minhas mãos nas suas, as lágrimas finalmente rolam por minhas bochechas. Todavia, não deixo que elas me detenham a continuar. Busco forças do interior de mim e fungo, protelando o choro por mais um tempo.

- Eu... - eu exalo audivelmente e engulo a seco mais uma vez - Fui a todos os médicos que havia nas redondezas da minha cidade. Eles sempre me diziam o mesmo, que não havia nada de errado comigo. Aparentemente, eu era capaz de engravidar como qualquer outra mulher. Robson... - eu suspiro - Não havia nada de errado com ele também. Éramos férteis, segundo os médicos. Eles sempre diziam que era normal demorar às vezes, mas já faziam meses que eu tentava e nada. Então Robson começou a mudar comigo - eu fiz uma pausa para suprimir a dor, e senti as mãos de Laura apertarem um pouco as minhas - Parecia que ele não era mais o mesmo. Não falava mais comigo da mesma forma, me ignorava... As vezes era grosso e jogava piadinhas cruéis de vez em quando. Robson me culpava por não dar filhos a ele - eu libero uma das minhas mãos para enxugar as lágrimas debaixo dos meus olhos.

Minha Tentação - CONCLUÍDOOnde histórias criam vida. Descubra agora