Scarlatti Narrando - I Parte

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Ainda é difícil acreditar que ouvi tudo aquilo de Dylan. Mas depois do ódio que vi faiscar em seus olhos, sei que foi real, porque o sentimento que brilhou ali foi verdadeiro.

Não espero que ele repense as besteiras que disse e peça desculpas, tampouco me reduzo a dar as explicações que achei que ele merecia e que me levaram até ali. Saio apressada do seu escritório da mesma forma que cheguei. Estou tão aturdida e magoada, que nem dou atenção a Laura quando essa me grita. A dor que aperta meu peito é equivalente as que levei tanto tempo para superar, pois todas as suas palavras me fazem recordar as de Robson.

 Eu não queria chorar, não queria me importar com o que ele pensava ou não de mim, mas não era algo que eu pudesse controlar. Corro para o elevador, e me repreendo por parecer uma adolescente fugindo de um baile depois de ser rechaçada pelo mocinho. Mas então, novamente minhas ações já não estão mais sob meus domínios. Longe disso.

Aperto o número do meu andar com a visão borrada pelas lágrimas e as mãos trêmulas. Estou com tanta raiva de mim quanto de Dylan. Prometi nunca mais chorar por homem nenhum, e ali estava eu. Parecia surreal que ele tivesse sido tão grotesco por causa de um mal entendido, mas de fato acontecera.

As portas do elevador estão se fechando quando vejo Laura irrompe-las por pouco. Não a quero ali. Não quero que me veja chorar. No entanto já é tarde demais e as portas se fecham.

- Meu Deus, Scarlatti! O que aconteceu!? - Ela parece apavorada, e pela forma com está falando, sei que deixou o papel de secretária de lado. Ela é minha amiga.
Eu nego com a cabeça, me recusando a falar porque sei que se o fizer não vou suportar a torrente que estou segurando dentro de mim. As lágrimas persistem em escorrer dos meus olhos, e por dentro estou travando uma luta terrível por controle, mas as imagens que tomam minha mente, tanto do passado quanto as recentes, não permitem que eu alcance os comandos sob mim mesma.

- Fala comigo, chefinha - ela implora, e mesmo contra minha vontade Laura me pega num abraço. Eu não suporto mais. As ultimas colunas que sustentam meu emocional desabam, levando consigo todas as minhas reservas. Um choro incontrolável e vergonhoso se apossa de mim, assim como soluços entrecortados e grunhidos. Não é apenas por causa das palavras de Dylan que estou chorando, e sim por tudo o que elas ativaram. De repente, todas as coisas que me ocorreram de ruim ao longo do final de semana se assomam aquela dor - como se já não bastasse ter passado os dois últimos dias imersa em depressão. Quase achei que não fosse conseguir superar a tempo de vir para o trabalho. Mas vim, e o resultado foi esse.

- Shiii... Vai ficar tudo bem - Laura tenta me tranquilizar enquanto estou agarrada a ela. Sua mão afaga meu cabelo e seu braço está em volta dos meus ombros.
Eu respondo-a muda negando com a cabeça, porque sei que não, nada vai ficar bem. Ao contrário, tudo só irá piorar daqui em diante. Eventualmente, vou parar com a choradeira, estou convicta, e vir para o trabalho normalmente todos os dias. Todavia, minhas noites já difíceis só se tornarão ainda piores. Choros incontroláveis, pesadelos, lembranças indesejadas... Tudo voltará, e eu estarei vivendo um inferno em vida outra  vez.

Quando ouço o elevador apitar avisando da nossa chegada, é como se meu mecanismo de defesa tivesse sido reativado, e quase que de imediato eu me desvencilho de Laura e contenho meu choro na garganta. Com mãos ainda trêmulas, limpo as lágrimas que insistem em cair, e acabo tendo dificuldades em suportar o embolo que formei no meu peito. A vontade de chorar vem como ânsia de vomito que nem sempre somos capazes de abonar, porém me esforço para segura-lo.

Assim que as portas se abrem, saio em disparada para meu escritório, ignorando todos no salão principal e torcendo para que não percebam nada com minha cabeça baixa. Laura me segue de perto, mas não fala nada. Não sei porque ela ainda está ali, mas não faço objeção da sua presença. Otávio me diz alguma coisa que soa inteligível quando passo por ele na recepção,  mas nem registro ou faço questão de saber o que é. Quero me trancar em meu escritório e finalmente chorar sozinha, como sempre fiz, faço e farei. Porém, por alguma razão desconhecida, deixo a porta aberta para que Laura entre se assim desejar.

Minha Tentação - CONCLUÍDOOnde histórias criam vida. Descubra agora