Scarlatti Narrando - I Parte

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Meu vocabulário nunca foi tão escasso a ponto de me faltar palavras, mas era exatamente como eu me sentia após o gesto de Dylan.

Sendo realista, ainda não estava crendo no que tinha acontecido. Era fato que fiquei estupefata ao ouvir que ficamos com a segunda colocação, e várias dúvidas e incertezas inflamaram-se por minha mente. Nem bem tinha me recuperado do que tinha ouvido quando avistei Dylan caminhar em minha direção, com uma determinação jamais vista por mim antes. Não fazia ideia do que ele pretendia, mas resolvi confiar e foi no que deu. Agora, eu tinha um troféu de prata instalado em minha mesa e não tinha a menor ideia do que fazer com ele. Pior. Não sabia o que fazer com quem o me dera.

- Olha, eu tenho que confessar que ele superou minhas expectativas, agora - ouço Laura murmurar ao meu lado, mas não sou capaz de rebater. Minha mente está um fuzuê com meus pensamentos em desordem. Jorge não se manifestou em hora nenhuma, limitando-se em apenas sorrir.

Olhando para o lado, vejo Dylan me observar com os lábios espichados em um sorriso largo. Fico ainda mais desnorteada, e pergunto-me o que devo fazer com ele. Eu viro a cabeça afim de cortar nossos olhares. Qual era o intuito de Dylan com aquele gesto, era a pergunta que não queria falar meus pensamentos atordoados.

Outra rodada de aplausos me arranca do meu estado paralítico e vejo a acompanhante de Dylan caminhar no salão até o palco, as luzes agora sobre ela.

Bem, mais uma surpresa.

O locutor de cabelos grisalhos sorri e entrega a ela o troféu de ouro. Em seguida, a mesma mulher negra que o entregou o envelope surge no palco com um cheque gigantesco assinado em 100 mil reais. Ela o entrega a Pocahontas - que ainda não sei o nome - e então se retira do seu jeitinho sorrateiro. Depois de mais alguns apertos de mãos e sorrisos, o orador acena para a mulher e lhe oferece o microfone. Cuidadosamente, ela deixa o chegue recostado no pódio um instante, mas mantém o troféu junto ao seu corpo.

- Bom - ela ri, aparentando nervosismo - Eu vim de muito longe pegar isso daqui - ela balança o troféu dourado com humor, roubando algumas risadas da platéia. Eu permaneço amuada. - Não posso dizer que tive a honra em trabalhar na campanha que proporcionou a minha agência esta gratificação, já que não passo de uma advogadinha - ela ri de si mesma - Mas posso afirmar com absoluta convicção que toda a equipe deu o melhor de si para tal, e que o prêmio foi bem merecido. Não levo a intenção de desmerecer nenhuma outra agência aqui presente, vejam bem. Acredito que, assim como a que estou representando, todos deram o seu melhor. Mas preciso encher o saco da minha, não é verdade? - Ela faz mais algumas pessoas rirem além dela, e quando eu olho na direção de Dylan, o vejo rindo também. O desconforto em meu peito retorna, mas tento ignora-lo - Bom, em nome de toda a equipe da  Propaga-Nós, eu deixo aqui minha gratidão e meu respeito. Muito obrigada - ela acena e ergue o troféu. Antes de sair, ela pega o cheque com a outra mão.

Palmas são ouvidas mais uma vez, e, mesmo contra minha vontade, meu bom senso e minha ética me forçam a acompanhar a massa nos aplausos. O orador volta para seu lugar a frente do microfone, e então fala por mais duzentos anos. Ele faz seu discurso decorado, declara os nomes dos indicados a Melhores Profissionais do Ano, que ocorrerá em janeiro, e então encerra com um trailer contendo as campanhas das agências vencedoras. A sequência é ordenada de forma decrescente, e quando chega a vez do projeto "Televisão À Vista" da R & A, não deixo de me surpreender com o trabalho feito em cima da ideia de Dylan. Mais uma vez, fico deslumbrada com seu talento, e mais confusa ainda com seu gesto.

O comercial é descontraído e em formato de desenho. Um filminho curto que se abre com a imagem de uma menininha ganhando uma TV antiga nos anos 90. O close é dado em seu rosto redondo e sorridente, ampliando a felicidade em suas feições. Ela instala a TV na sala às pressas, e quando se senta num clássico sofá florido para assisti-la, encontra o rosto de um homem das cavernas olhando-a com curiosidade.

Minha Tentação - CONCLUÍDOOnde histórias criam vida. Descubra agora