Scarlatti Narrando - II Parte

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Quando cheguei a minha casa foi apenas para mudar roupa para ir ao trabalho. A madrugada tinha sido curta, mas de alguma forma também muito longa. Dei graças a Deus por ser sexta. Apesar da promessa de que o fim de semana seria bom, meu corpo exausto rejeitava qualquer ideia de sair e dançar, a não ser que fosse dançar na cama com os lençóis. E eu digo somente os lençóis mesmo.

Durante o banho pensei em tudo o que precisava fazer no dia. Colocar algumas contas em andamento, evitar Dylan no escritório; revisar alguns relatórios entregues do setor de pesquisa, e evitar Dylan mais uma vez. Planejar algo no fim de semana com minha nova amiga, talvez marcar um cinema ou um chopinho de lei num ambiente mais calmo e menos barra pesada, e, novamente, evitar Dylan. Com exceção de evitar Dylan, tudo parecia fácil e pouco exaustivo. Com exceção de evitar Dylan, o dia prometia ser perfeito.

A beleza do edifício Sanchez nunca deixa de me surpreender. É um prédio que exala soberania e imponência - bem similar aos donos - e espelhado de cima a baixo. Trabalhar ali era confortável e agradável em vários níveis. Já tive empregos em edifícios parecidos na época em que atuava como editora e jornalista, mas nenhum se comparava àquele. O Sanchez se destacava em meios aos outros no segundo centro não somente por ser o maior, mas também pela referência que representava.

Depois de babar um pouco mais com a vista do edifício, entrei no Sanchez com o mesmo orgulho e temor de sempre. Embora trabalhar ali fosse bom e eu estivesse orgulhosa disso - por menos mérito do que eu esperava - nem todos ali me agradavam. O guarda que ficava sempre a postos ao lado do elevador era até simpático, me acenando com um sorriso sempre que eu passava, mas a maioria dos que trabalhavam ali eram arrogantes. Advogados e executivos com o ego maior que a própria alma, e assistentes e secretarias antipáticas. É claro que eu sabia que muitos deviam pensar o mesmo de mim, mas isso não importava.

Ao pensar nisso lembrei-me automaticamente do baixinho imbecil que destratou Dylan outro dia no elevador, fazendo parecer que ele era irresponsável somente por ser adotado. O sujeito era tão tapado e sem informação, que nem se ligou que Dylan estava ali na hora. Eu devia ter deixado Dylan quebrar a cara dele, para que aprendesse um pouco. Como se meu íntimo adivinhasse, de cara eu não tinha ido com os córneos do sujeito, quando tentou falar comigo ao mesmo tempo em que outro imbecil. Não ligava a mínima para ambos, mas como Dylan estava presente e de orelha em pe, fiz questão de provoca-lo.

Só a lembrança do que o idiota disse foi suficiente para azedar meu humor e mudar meu comportamento. Marchei até o elevador exalando uma ira exagerada - para uma situação que ocorrera dias atrás. Percebi que não era apenas isso que me enfurecera quando notei uma certa cabeleira ruiva ainda de longe dentro do elevador.

A ruiva de Dylan.

Meus passos cessaram num tranco, se recusando a ir adiante, e logo senti algo duro se chocando contra minhas costas. As portas do elevador se fecharam, levando a ruiva consigo, e eu me virei, disposta a descarregar minha raiva em quem quer que tivesse esbarrado em mim. A intenção era mesmo ser agressiva, e eu quase pensei em pular no pescoço do sujeito, exceto que perdi o rebolado por completo ao me deparar com um dos caras mais lindos que já vi na vida. Não era o Dylan, que, muito embora eu achasse lindo de morrer, não era o cara mais lindo que já vi. O que me atraía a Dylan era algo além da beleza rude que sustentava - o que me deixava mais preocupada a cada segundo.

Esse cara, no entanto, era diferente. Alto e musculoso, trajando um terno cinza grafite. Os olhos eram incrivelmente azuis, e eu só podia supor que não devia ser brasileiro. Não era loiro, o que fazia acentuar a cor incrível da suas íris celestes. Os cabelos escuros eram baixos e lisos, cortados na medida certa para minha mão os agarrar com força. A pele era morena queimada de sol e levava sobrancelhas fartas impecáveis. Os lábios eram delicados, de forma que você pensaria que ficaria descomunal, mas que na verdade só serviu para deixa-lo ainda mais atraente.

Minha Tentação - CONCLUÍDOOnde histórias criam vida. Descubra agora