Melina

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Eu estava acabando de me vestir para ir trabalhar. O relógio marcava 7:25 da manhã. Peguei minha bolsa no cabideiro da sala e estava procurando as minhas chaves, quando prestei atenção ao jornal matinal que minha mãe estava assistindo. E eis o que uma repórter com uma voz anasalada dizia:

Homem surta dentro de empresa de reciclagem e ataca seus colegas de serviço a mordidas. Testemunhas dizem que o homem em questão chegou para trabalhar normalmente e após ter sido repreendido por estar sentado em uma das mais perigosas plataformas da empresa, a de trituração de plásticos,  ele começou seu ataque raivoso, distribuindo mordidas a quem ele encontrava pela frente, indiscriminadamente. Ao total ,7 pessoas estão entre os feridos, incluindo seu supervisor do turno da noite. Os nomes e rostos dos feridos estão sendo mantidos em sigilo até que as investigações da polícia comecem... – A repórter finalizou. – Do Espírito Santo, Gláucia Guimarães, para o Jornal da Manhã. É com você, Renato.

As imagens do telejornal mostravam um homem ensanguentado sendo conduzido algemado para um carro de polícia. O homem tinha um olhar perdido, sem brilho. Foram necessários seis policiais para contê-lo. O que quer que tenha sido o estopim de sua fúria o deixara raivoso, a ponto de atacar pessoas amigas e inocentes, aleatoriamente.

Voltei ao meu quarto e após vasculhar uma de minhas bolsas, achei meu chaveiro.

– O que será que aconteceu para ele surtar assim? O apresentador disse que o homem não tinha histórico violento, era uma pessoa calma e frequentava a igreja. Ele era um ótimo funcionário naquela empresa, trabalhava lá a mais de cinco anos... – Minha mãe explanou. – Ele deve ser uma dessas pessoas que guarda rancor, sabe? Engoliu tanto sapo, que acabou vomitando um boi. – Minha mãe era rainha em misturar ditados populares e inventar seus próprios ditados. – Ele deve ter levantado com o pé esquerdo e resolveu dar aos seus algozes o que mereciam. O chefe dele está entre os feridos e não duvido nada que tenha sido o primeiro a ser pego na hora do ''pega pra capar''. O mais estranho nesse ataque foi que ele mordeu todas as pessoas que ele atacou. Repito: mordeu. Não é estranho? Porque ele não levou uma arma de fogo ou até mesmo uma faca para matar todo mundo? Chumbinho também seria útil... Mas não, preferiu usar os próprios dentes. Quando a gente acha que já viu de tudo nessa vida, vem isso e nos surpreende. – Ela abaixou o volume da televisão e me encarou. Eu estava distraída e não havia prestado atenção ao que ela disse. – Não acha? – Ela perguntou, insistindo no assunto.

– Sim, com certeza. Foi muito estranho. Eu tenho que ir. Não posso me atrasar de novo, se não o Fábio vai acabar me demitindo. – Eu disse.

– Você vai acabar vomitando um boi uma hora dessas por causa desse seu chefe. Esse homem devia valorizar o que você faz naquela empresa e te dar uma folga. – Minha mãe se preocupava muito comigo, éramos unha e carne, mas eu não era como o homem da televisão. Eu diria algumas verdades para Fábio, se fosse necessário, e não teria nenhum surto de raiva e muito menos morderia ninguém.

– Talvez no fim dos tempos o Fábio me deixe tirar uma folga. Eu tenho que ir. Estou atrasada. Beijos e tenha um bom dia, mãe. – Destranquei a porta do apartamento e saí. Liguei meu aparelho de mp4 e o coloquei no último volume. Estava prestes a colocar meus fones de ouvido, quando a imagem daquele homem ensanguentado e com aquele olhar vazio me veio à mente.

O quão cega de raiva a pessoa tem que estar para ferir as outras a dentadas?


Aquela notícia tinha sido mais do que esquisita para aquele dia nublado que se iniciava.


Diário De Um Apocalipse Zumbi - O Despertar Dos MortosOnde histórias criam vida. Descubra agora