– Acorde. – uma voz masculina ordenou ao dar ''tapinhas'' no meu rosto.
Minha boca estava seca e minha cabeça doendo. Tentei levantar, mas fui impedida. Havia cordas me mantendo presa a uma cadeira. Letargicamente fui recobrando a consciência. O mesmo homem gordo que havia me apagado, agora estava abaixado a minha frente me observando com um lampião aceso em mãos. Lembrei do porque estar ali e pensei em Pente Fino. Uma mordaça havia sido colocada em minha boca me impedindo de falar e no melhor dos casos, gritar. O cheiro da morte era inebriante, estava impregnado naquele lugar, assim como o leve cheiro de terra úmida. Algumas velas iluminavam parca e precariamente aquele muquifo. Me debati inutilmente na tentativa de me soltar das amarras.
– Veja quem também acordou: a mamãe. – o gordo se levantou e caminhou em direção a uma mesa nos fundos do cômodo e destampando algo, jogou uma lona no chão.
Ouvi barulho de correntes sendo arrastadas. Algo tomou forma na penumbra. Observei, apreensiva, o vulto que se aproximava com passos arrastados que chegavam cada vez mais perto. A luz bruxuleava fantasmagórica pelas paredes, criando vultos tão assustadores quanto o que estava parado a poucos metros de mim. Uma senhora de idade, aparentando oitenta anos, de pouca estatura e com um corpo franzino estava presa pelo pescoço por uma longa corrente fixa na parede. Aquele ''faminto'' grunhiu raivoso, como se denotasse minha presença intrusa. Me assustei, o que fez com que eu caísse de lado, levando a cadeira comigo. Algo escorria de sua boca, enegrecendo suas roupas como piche. Ela abocanhava o ar com voracidade e farejava, desesperada, a procura do delicioso petisco, mas não conseguia encontra-lo, mesmo sabendo que estava perto. A observei intrigada.
– Mamãe tem glaucoma avançado, por isso ela não vê você. Ou melhor, não vê nada. – o homem pareceu ter lido meu pensamento ao falar da morta-viva e com um movimento ágil colocou minha cadeira em pé novamente, como se eu não pesasse mais que uma pena.
Ele retirou o pano da minha boca e o guardou no bolso.
– Onde está minha amiga? Por favor, eu preciso saber se ela está bem. Não tínhamos a intenção de roubar nada da sua loja, só precisávamos de um...
– Pouco me importa do que precisavam. Não se invade o comércio de alguém e se sai impune. Sua amiga teve o que mereceu...
– O que fez com minha amiga? Me diz, seu porco imundo. – vociferei.
O homem me olhou como se eu não fosse mais do que uma mosca zunindo em seu ouvido.
– Vocês chegaram em uma hora propícia. Estávamos ficando sem o alimento da Mamãe. Sabe, agora que ela está com essa nova gripe que tanto foi noticiada na tevê, ela tem uma dieta diferente. Tentamos dar a ela comida comum, tipo: arroz e feijão, mas ela não aceitava. Sempre fazia a maior lambança quando tentávamos alimenta-la. Vimos então que ela gostava de carne quando ela agarrou o poodle de estimação e o comeu. Mas mamãe estava ficando fraca com aquela dieta de cachorros, gatos, e porcos a qual prescrevi para ela. – ele riu. – Mamãe não gosta de frango ou qualquer outra carne branca. Ela necessitava de uma proteína um pouco mais... como posso te explicar? Um pouco mais vermelha... Tentamos bois, cavalos e até ovelhas, mas mesmo assim ela estava pedindo por mais.
O gordo retirou de cima da mesa uma bacia grande e pesada e colocou aos meus pés. Meu coração quase saltou pela boca ao ver o que tinha dentro do recipiente.
– Um dia, antes de todos abandonarem a cidade, uma senhora veio até a farmácia em busca de antibióticos para a filha pequena que estava com dor de garganta. Enquanto eu conversava com a mulher, a menina serpenteou por uma das portas e encontrou minha mãe em seu quarto. Já aviso que não foi culpa nossa o que aconteceu. Mamãe não resistiu ao impulso de comer carne fresca e... – ele parecia ter remorso em contar o que havia acontecido. – Eu não tinha como explicar a mãe o que havia acontecido a sua filha, então resolvi mantê-la presa enquanto decidia o que fazer com a ela. Enquanto isso o tempo foi passando. E a fome da mamãe aumentando. Veja, eu não podia deixar minha mãe morrer de fome. Você me entende, não é? – ele me encarou complacente. – Não podíamos dar a bobeira de deixar aquela mulher ir embora e ela voltar com a polícia para nos prender. O que aconteceu com a menina foi apenas um acidente. Não poderíamos ser presos só por aquilo. Pensamos em tudo o que podíamos fazer com aquela senhora, mas Odete decidiu que o melhor a se fazer seria darmos uma pancada certeira na cabeça dela, ela morreria na hora. E foi o que aconteceu. Odete a acertou em cheio. Pow!!! Eu a cortei e armazenei os pedaços. Não sabe como é difícil manter a carne sem refrigeração... – Rogério retirou novamente o pano de seu bolso e enxugou o suor do rosto e do pescoço. – Aí foram aparecendo outras pessoas, muitas das cidades vizinhas, outras daqui mesmo e assim fomos tendo o que dar de comer a ela. – ele olhou amoroso para a morta-viva que tentava alcança-lo sem sucesso. – Mas as pessoas desapareceram, acho que foram para o Forte, sei lá. Você e sua amiga chegaram na hora exata. Essa era a última porção de comida que tínhamos 'pra' ela. Agora não é mais. Vocês duas durarão umas duas semanas ou até mais se eu souber racionar.
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Diário De Um Apocalipse Zumbi - O Despertar Dos Mortos
HorrorAquela era para ser mais uma manhã pacata na vida de Melina Reis. Ela se preparava para uma entrevista de trabalho quando percebera que estava vivendo um Apocalipse Zumbi. As pessoas que ela costumava conhecer começaram a agir de forma irracional. S...