13. Você vai pagar por isso

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Eu precisava começar a semana. Jaime não saía da minha cabeça, mas era mais pelo susto do que qualquer sentimento. Aliás, não havia mais sentimento, apenas lembranças e uma tremenda curiosidade de ir à festa na casa da minha antiga paixão e do Roberto. Como o vernissage ficou marcado para uma semana, mas nem eu mesma sabia em qual dia seria, eu não poderia pensar em combinar nada antes de resolver essa pendenga profissional. Depois, quem sabe, matar a lombriga curiosa que habitava em mim.

Fiz uma lista de itens para comprar. Nem podia pensar em quanto gastaria, apenas lembrei que era necessário para eu trabalhar. Nem sabia se tinha talento, nunca ninguém realmente capacitado havia me dado uma opinião confiável, mas a minha sogra resolveu me dar uma oportunidade e apostar no meu taco. Se eu errasse, era capaz de ela cancelar o casamento. Será que ela só estava fazendo aquilo para poder se orgulhar de mim na frente de suas amigas?

Não queria nem saber como foi acontecer comigo, mas aconteceu. Eu precisava preparar uma exposição inteira em dias e pronto. Peguei a minha bolsa maior, aquela parecida com uma sacola de feira, e saí com a lista em punho.

O elevador estava quebrado, mas logo lembrei que havia escolhido aquele lugar porque era o mais barato e o único que eu poderia pagar. Vai ver que é por isso que o elevador era uma porcaria. Fui a pé. Andei um quarteirão até o ponto de ônibus, cuja placa estava coberta por mato e desci no ponto do centro. Eu queria um carro e de brinde um motorista. Como não tinha dinheiro para o carro, fiquei só com o motorista – do coletivo.

O paraíso das lojas estava no centro. Fui à Tinta & Talento. Entrei, olhei de um lado para o outro e ninguém veio me atender. Comecei a pesquisar umas cores em uma prateleira de tintas, mas nenhuma atendente veio perguntar o que eu queria. Peguei algumas opções de cores e deixei no balcão para escolher melhor e pedir a opinião de alguém mais entendido – na teoria seria eu mesma, mas ninguém precisava saber desse detalhe. Uma atendente de cara feia chegou perto e disse "Vai levar?". Tive vontade de responder "Não, vou comer aqui mesmo", mas aquela não era uma boa maneira de começar a semana. Achei que a mal-educada também não poderia me ajudar e escolhi de acordo com o sexto sentido ("minha mãe mandou levar este daqui") alguns pinceis, tintas e telas.

Saí carregada com sacolas. Fui mal atendida, mas em cidades não muito grandes a opção é pouca e, se eu quisesse ir a outra loja decente para comprar os mesmos materiais, teria que pegar outro ônibus e eu não estava muito a fim de circular por aí embaixo daquele sol. Mais uma quadra e lá estaria o ponto. De um lado da rua, estava eu com as sacolas, e na calçada do outro lado, avisto quem? Ele, o gerente do banco, o baterista lindo. Ele. Não podia acreditar. Eu não queria que ele me visse, não naquele estado, com aquela roupa de arrumar a casa e com sacolas na mão, sendo que, se ele se lembrasse de mim, teria duas opções de memória: uma calcinha cor-de-rosa ou um laço vermelho com bolinhas brancas. Se eu resolvesse usar os dois juntos, seria um sucesso.

Abri a bolsa e tirei de lá o meu guarda-chuva. Abri e coloquei na cara para tapar a visão para mim. Não na cabeça, mas de lado. Assim ele, do outro lado da rua, não me veria. Mas no segundo seguinte eu escuto uma voz aguda e que gritava o meu nome.

— Blanda! Blandinha!

Fingi que não ouvi e mantive o escudo como proteção. Mas não escapei por muito tempo. Era a mamãe.

— Blandinha, o que você está fazendo atrás desse guarda-chuva?

Quando abaixei a sombrinha, vi mamãe do outro lado da rua acenando para mim, e bem próximo estava ele. Agora, além de me achar maluca e brega, ele conhecia o ser mais estranho da minha família, a minha mãe. Não sei por que, mas eu me preocupava com o que aquele cara pensava de mim. Eu até imaginava como seria nossa primeira conversa de verdade, já que eu nem sabia o seu nome e só havíamos tido um contato no banco (que eu gostaria de esquecer). Para falar a verdade, eu achava melhor esquecer tudo, inclusive que ele existia. Mas não dava, eu não conseguia. Misteriosamente, não conseguia.

9 Minutos com BlandaOnde histórias criam vida. Descubra agora