2. Ai, que vergonha!

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Um dos piores barulhos que alguém pode ouvir na vida é o de um despertador. Primeiro porque não é um som, e sim uma tortura aos ouvidos e, como o nome já revela, é um cruel desperta-dor. Chego a sentir o coração palpitar quando acordo assim, antes das oito horas da manhã. Nenhum ser humano deveria ter que acordar antes desse horário. Mas durante a maior parte da minha vida eu não me enquadrei nessa categoria, de forma que, quando o barulhento me infernizava, o céu costumava estar escuro.

Pior é que naquela manhã eu havia dormido no sofá e não tinha levado o relógio para a sala. Quando o barulho me acordou, deve ter despertado também os vizinhos. Saí correndo em direção ao TRIM-TRIM e me joguei na cama, com a esperança de merecer mais nove minutos de descanso. Nove minutos e não dez, porque esses incompreensíveis são todos iguais e não permitem que nosso sono se estenda nem por dez minutinhos a mais. Só que eu sempre fui invencível. Eu o desligo quantas vezes forem necessárias e, assim, acabo sempre ganhando umas três sequências de nove se acordo de manhã.

Somente quando me levantei da cama é que percebi que Max já não estava mais. O meu querido companheiro se levantou, tomou café da manhã e saiu. Eu sei disso porque a mesa estava em completa desordem com um prato com restos de mamão e um copo de Coca-Cola. Difícil entender como alguém pode comer mamão com Coca-Cola logo pela manhã. Notei que as meias continuavam na sala e Freddy estava deitado em cima delas. Pobre gato, precisaria se lamber por dias para o odor sair dos seus pelos.

Afixado na geladeira com um ímã, um bilhete. Pronto, eu sabia que viria problema para aquele dia, porque Max nunca deixa bilhetes. Minha aflorada intuição feminina não me enganou e junto ao bilhete estava uma conta de telefone para pagar – do celular dele. O bilhete em si era ainda mais ridículo do que um pedido educado. "Para podermos nos falar sempre... você poderia, por favor, pagar para mim? Acertamos depois." Só que o "por favor" denunciou o pedido: eu sabia que ele não iria acertar nada comigo. Max nunca pedia "por favor".

Guardei a conta na bolsa e enumerei no verso do bilhete as atividades do dia. Comi um pedaço do mamão que estava no prato sujo em cima da mesa e procurei uma roupa para vestir. Para começar bem a manhã em uma fila de banco, escolhi uma blusa vermelha, cor de sangue. Coloquei um casaco bege por cima, uma calça social bege e sapatos igualmente beges, com brincos vermelhos e reluzentes pulseiras vermelhas com detalhes em bege. A perfeição, exceto por um detalhe: a minha bunda.

Eu não conseguia me olhar no espelho, aquela não poderia ser a minha bunda. Há menos de um ano ela era tão durinha, tão linda e com pouca celulite, que não havia roupa proibida para aquele corpinho. Não dava para crer que em tão pouco tempo aquele território havia se tornado uma estrada esburacada, um plástico com bolhas, um doce de sagu! Eu só conseguia pensar que, se saísse na rua daquele jeito, eu estaria fadada à chacota eterna de todo o planeta.

Procurei outra calça e o casaco poderia ser trocado com facilidade. Preto era uma boa cor, escondia as imperfeições naturais de todos os corpos e não chamava atenção nem a mais nem a menos. Então coloquei sobre a cama o jogo calça-preta-blusa-vermelha e me dei conta de que parecia o uniforme de um time de futebol. Se eu mesma era capaz de rir do meu traje, não poderia esperar compreensão dos outros. Então troquei a blusa por uma branca.

A calça preta, aquela que me custou duas córneas em uma loja chique do centro, não me servia mais. Havia gordura no lugar em que o zíper deveria fechar com facilidade, enquanto a blusa mostrava todo o meu potencial para atriz de filme pornô. De quinquagésima categoria.

Eu não tinha sequer chegado aos 25 anos e exibia um corpo que não imaginava ter aos 50 quando tinha 15. Os conceitos mudam, mas bem que eu poderia ter ficado em um meio-termo corporal. Decidi tentar perder os quilos excedentes, mas sem dizer "perderei", porque soa muito forte e eu nem havia pensado ainda em quais métodos usaria para chegar ao resultado. Nem sabia qual resultado eu queria, só queria a minha velha bunda de volta, sem aquele aglomerado de celulites instalado sem minha permissão.

9 Minutos com BlandaOnde histórias criam vida. Descubra agora