O restante da noite eu fiquei em claro, vendo o tempo passar. Estava imaginando como seria minha vida dali pra frente. Sem amigos. Sem conhecer nada na nova cidade. E... sem pai. Ainda doía quando eu pensava nisso: Estar sem pai. Peguei o porta-retrato com nossa foto no meu criado-mudo e apertei-o contra o meu coração, e as lágrimas rolaram novamente. Eu repassei pela milésima vez o que havia acontecido há três anos atrás...
~ Era véspera do aniversário da minha avó Rute, e minha mãe já tinha ido na frente com os meus irmãos. Mas como eu tinha minha prova de Matemática pra fazer, e papai teria que trabalhar um pouco mais no seu ateliê de pintura, combinamos de ir juntos no comecinho da noite pra casa da vó, que ficava a pouco mais de duas horas de onde morávamos. Tudo estava saindo como o combinado. Pegaríamos a estrada às cinco e meia da tarde, e chegariamos lá no máximo às oito, se o trânsito não estivesse caótico. Entrei no carro e dei tchau aos meus amigos: Anne, Rodrigo e Lari.
- Nos vemos na segunda. - Lari falou
- Dê lembranças pra coroa! - Rodrigo disse dando tchauzinho.
- Tchau amiga! - ela me deu dois beijinhos no rosto- Já estou com saudades de você!
- Não exagera Anne, é só um fim de semana.
- Mesmo assim. Até segunda.
- Até. - disse acenando
Papai ligou o motor do carro, e então eu coloquei o cinto.
- Boa tarde princesa!
- Boa tarde papai!
- Como foi a escola hoje?
- Horrível. - bufei
- Não foi bem na prova?- ele perguntou com o carro já em movimento
- Não.
- Quer que eu peça a sua mãe pra te dar aulas de reforço quando voltarmos?
- Pode ser. - falei entredentes
Na verdade eu não queria que ela me desse aulas, mamãe não tinha paciência, nem tempo pra me ensinar. Ela era engenheira e estava sempre ocupada com os problemas do seu escritório e não dava a mínima pra minha vidinha fácil de adolescente... Mas papai não percebeu a verdade por trás do "pode ser" e continuou dirigindo normalmente.
Tudo estava indo bem.
No meio do caminho, papai ligou o rádio, e estava tocando Beatles, nossa banda internacional preferida. Cantamos animadamente, olhando um para o outro, nós nos entendíamos muito bem... Mas nos distraímos demais. Quando olhei para a frente estávamos há poucos metros de um cachorro. Eu juro que não deu tempo de pensar de forma mais racional.
- Pai! Cuidado com o cachorro!
Ele desviou do cachorro, passando para o outro lado, na contramão, quase fora da estrada. O carro deu um solavanco, se não estivessemos de cinto, teriamos sérios ferimentos. Respirei aliviada. Mas quando percebi o que se passava vi que nosso carro estava quase pendurado entre a estrada e uma espécie de barranco do qual eu não conseguia ver o fim.
- Pai...
- Fica calma Julie. - ele falou suavemente.
Meu pai começou a dar marcha ré, e aos poucos eu fui relaxando. Mas quando estava no meio da pista, um carro em alta velocidade bateu em nosso carro, exatamente no lado do motorista, onde meu pai estava. E ele não resistiu.
- Pai! - gritei desesperada
- Julieta... Eu... Amo todos vocês... - ele ainda conseguiu dizer.
Eu entrei em desespero total, e fui tirada do carro por uma mulher que estava no outro carro, ela me arrastou de lá, enquanto ligava pra ambulância. Eu apenas chorava, desesperada. A ambulância chegou em pouco tempo, juntamente com os bombeiros, que com muita dificuldade, retiraram o corpo dele do carro. Eles me levaram ao hospital junto com ele, mas eu sabia que ele não ia sair dessa.
Papai morreu. E eu apenas fiquei com alguns arranhões, enquanto deveria ter morrido com ele, eu preferia ter morrido com ele, pra não ter que suportar o que estava por vir.
Os meses seguintes da minha vida foram os piores, a família praticamente se desmontou. Romeu começou a ter surtos de rebeldia e se envolveu em diversos problemas, mamãe entrou em depressão, e praticamente nos largou a própria sorte, o único que conseguiu manter a sanidade mental foi Joaquim, que estando no auge de seus três anos de idade não entendia nada do que estava acontecendo, e eu... Eu me enfurnei na internet e... ~
Minhas lembranças foram interrompidas pelo som estridente do despertador que estava programado para as seis horas da manhã. Me levantei da cama, e fui direto ao guarda-roupa, pegar minha roupa, peguei uma calça comprida e minha blusa dos Beatles, na verdade, ela era do meu pai, mas eu usava quando estava nervosa, era como se eu estivesse com um pedaço dele. Eu sei, que biologicamente falando, eu sou um pedaço dele, mas ele adorava aquela camisa, e eu queria muito usá-la pra encarar o primeiro dia de aula na nova escola, ainda mais chegando já em agosto. Provavelmente eu não iria fazer amigos.
Tomei banho rapidamente e desci as escadas para tentar tomar café da manhã. Quando cheguei, Joaquim já estava na mesa, arrancando cuidadosamente a casca do pão que mamãe passara pra ele.
- Joaquim, eu já te disse que você não deve tirar a casca do pão dessa forma, essa era uma mania irritante que seu...
Ela parou quando me viu, mas eu sabia o que ela iria falar. Dei de ombros.
- Bom dia Joaquim. - falei dando um beijo estalado em sua bochecha.
- Bom dia Julie.
Puxei a cadeira para sentar, e peguei a xicara para pôr o café. Não enchi nem até a metade, eu sabia que não conseguiria beber tudo. Tomei o café rapidamente, sem me importar com a temperatura dele. Vi que minha mãe estava me observando, mas ela só falou quando me levantei da mesa para escovar os dentes.
- Não vai comer mais nada?
- Não, estou sem fome.
- Como vai se concentrar na aula, se não come direito?
- Mãe eu estou sem fome!
Joaquim olhava para nós duas, como se estivesse em um jogo de pingue pongue.
- Conversamos mais tarde. - mamãe disse num suspiro.
- Tudo bem. Eu já volto.
Escovei os dentes rapidamente e me sentei no sofá da sala até que mamãe veio com sua bolsa, a chave do carro e Joaquim a tiracolo.
- Vamos Julieta. - ela falou apressada.
- Estou indo. - falei pegando a mochila e indo em direção a porta.
***
No caminho eu observei as lojas de roupas e os inúmeros fasts-foods, enquanto meu irmão jogava farelos de pão em meu longo cabelo preto. Fingi que não estava ligando, pra não fazer confusão com ele logo de manhã. Imersa em meus pensamentos, nem percebi que mamãe parou o carro.
Ao levantar os olhos, dei de cara com um prédio velho, cercado por um grande portão, e apesar de ainda não ser sete horas já estava cheio de garotos e garotas que conversavam animadamente sobre suas férias. Gelei imediatamente, não queria ter que me apresentar pros outros, ou falar sobre minha família... Só queria fugir dali.
- Julieta? Não vai entrar na escola? - mamãe me interrompeu, me encarando firmemente.
***
E aí pessoal? O que acharam do primeiro capítulo de Encontro? Preciso muito do feedback de vocês, pra saber se a história está dando certo ou não.
P.S.: Gostaram da nova capa?Beijos, até o próximo capítulo!
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Encontro (COMPLETO)
EspiritualLivro 1 "Você pode não entender o porquê, mas o pra quê vai te fazer sorrir!" Sonhos e pesadelos entraram na rotina das noites de Julieta. Desde que perdeu o pai, a garota é tomada pela vontade de ter morrido junto com ele e o arrependimento de ter...