Fugindo do Rio.

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Eu puxei ela pelo braço a virando pra mim e dei um beijo na sua boca, segurando-a. Ela ficou sem saber o que fazer, todos estavam olhando, daí quando eu me afastei ela começou a me bater :

- Você é louca garota? Tá maluca? Como você acha que tem o direito de fazer isso comigo? Sai daqui! Eu não quero mais ver a tua cara! Pára de me encher, tá legal?
- Eu avisei.
- Avisou? Sai daqui garota! Vai embora tá legal? Some! Desaparece da minha vida! Eu não quero mais te ver! Nunca mais!
- Pri...Espera! Esper...

Ela saiu andando puta da vida e entrou pra ensaiar, na hora em que eu ía atrás a Dani, amiga da Pri, me barrou:

- Ela não quer te ver. Deixa ela em paz. Já não basta o que você fez ela passar? Some daqui Tina.
- Como assim? O que eu fiz pra ela? Tá falando do encontro? Eu posso explicar. É que...
- Não interessa Tina. Não é só o encontro. Deixa a Pri em paz! Tchau, eu tenho que ir ensaiar e acho que você também tá de saída, né?

A Dani virou as costas e foi como se o mundo caísse diante os meus olhos, me deu um aperto no peito, uma vontade de, sei lá, uma dor muito forte, aguda, como agulhas rasgando meu coração, eu entrei no carro e fui embora.

Eu fui pra casa, larguei o carro por lá e peguei a moto. Meu irmão ainda perguntou aonde eu ía, respondi que pra qualquer lugar, pra ele não me esperar. Coloquei o capacete e fui a toda velocidade pelas ruas. Peguei uma estradinha pra um lugar mais deserto e quando vi eu já estava quase em Praia Linda (região dos lagos do RJ), lembrei que minha vó tem uma casa que tá fechada há tempos por lá. Segui pra casa da minha vó, pulei o portão e procurei a chave no lugar de sempre, no jarro esquerdo ao lado da janela, abri a porta com um certo frio na barriga, era como voltar ao passado. Entrei e fiquei com aquela sensação nostálgica, olhava o teto, o chão, tudo de madeira, a antiga cadeira de balanço perto da janela onde minha bisavó ficava cosendo, lembrei de quando sentava em frente a tevê de manhãzinha pra ver desenho animado e minha bisavó ficava na cadeira cantarolando e cosendo, deu saudades. Eu entrei no quarto que dormia, deitei na cama, abracei um ursinho e acabei adormecendo.
De noitinha acordei com um barulho na cozinha, levantei em silêncio e fui ver o que era. Pé ante pé, cheguei de mansinho e quando ía olhar a cozinha um cachorro pula em cima de mim:

- Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh...!!!!!!!

Ele pulou em cima de mim, eu caí no chão e quando pensei que me atacaria, ele começou a lamber o meu rosto e fazer festinha. E então ela apareceu, uma menina de roupa simples, com ar de moça do campo, bronzeada de praia, cabelos lisos demais, pretinhos e longos, olhos castanhos mel e voz mansa:

- Sai daí Biju! Anda, vem pra cá! Deixa a moça!

O...ér...Biju...Saiu e ela veio na minha direção, eu fiquei estática:

- Olha moça, desculpa o Biju, ele é muito brincalhão, gosta de correr e não sabe a força que tem, mas é um ótimo amigo. Né não Biju?
- Ah! Hã? Não, não, tudo bem! Não tem problema! Eu que peço desculpas, não sabia que tinha gente em casa.
- Você tá perdida? Precisa de um lugar pra ficar? Veio procurar alguém?
- Não! Minha vó é a dona desta casa.Daí eu estava passando por aqui e resolvi entrar pra lembrar os velhos tempos.
- Ahhhh! Bom, prazer, eu sou a Doroty, trabalho cuidando da casa pra Dona Ana. No que precisar é só me chamar, tá?
- Obrigada Doroty. Mas não se preocupe, não vou te atrapalhar não, qualquer coisa eu dou um jeitinho.
- Não, não, que isso? A senhorita não me atrapalha. Vai dormir aqui?
- Acho que sim.
- Então eu vou pegar umas cobertas, ajeitar o quarto e fazer algo pra senhorita jantar. Deve tá com fome né?
- Não precisa não. É sério!
- De forma alguma. Vou lá arrumar o quarto e depois eu faço a ...
- Então deixa eu ajudar na janta pelo menos.
- Que isso senhorita, precisa disso não, eu faço...
- Eu gosto. Deixa. Eu faço.
- Então tá!
- Ahhh e não precisa me chamar de senhorita, pode me chamar de Tina.
- Certo! Tina.

Ela ficou com as bochechas rosadinhas e um olhar tímido, saiu pra arrumar o quarto e eu fiquei ali olhando pra ela, como se o tempo tivesse parado. Não deu um minuto e o senhor Biju me acordou:

- Au!!!Au au au au!!!
- É, eu sei Biju! Eu vou lá. Não precisa me olhar com essa cara.
- Au au au au au auuuuuuuu!!!
- Já vou, já vou! A gente não pode nem devanear um pouco. Vem! Vamos cozinhar.

Eu fui pra cozinha e o Biju atrás de mim. Olhei pra dispensa da cozinha e não tinha nada ali. Deixei um bilhete pra Doroty e fui no mercado comprar alguma coisa.
Quando eu voltei já estava tudo arrumado e ela se preparando pra cozinhar, eu deixei as compras e puxei tirando-a dali:

- Hãm! Nananinanão! A senhorita pode ir sentar no sofá e ver tevê, ouvir música ou o que for. Eu que vou cozinhar!
- Mas...mas...
- Nada de mas. Eu vou cozinhar e você pode ficar sentadinha ali.

Empurrei ela até ela sentar no sofá e fui pôr em prática meus dotes culinários. Tá certo que lambuzei a cozinha inteira, quase me queimei e me sujei toda. Mas o risoto ficou gostoso.
Eu arrumei a mesa e fomos jantar. Conversamos e Doroty me contou que já nos conhecíamos, mas que fazia tanto tempo que eu nem devia lembrar. Ela é filha da Dona Zulmira, moça que trabalhava pra minha vó. Eu adorava a Dona Zulmira, ela me tratava tão bem, cuidava de mim com carinho, me acobertava quando eu aprontava alguma. Teve uma vez que quebrei o vaso da minha vó e a Dona Zulmira limpou e disse que foi alguma coisa que bateu e quebro, na hora de dormir ela sentava perto e ficava contando histórias pra gente. Aos poucos fui me lembrando da Doroty, nós não éramos próximas, meu irmão e eu sempre chamávamos ela pra brincar, mas ela não vinha, parecia tímida. Ela foi me contando as histórias:

- Lembra aquela vez do barco?
- Barco?
- É! Você queria tanto ir pro mar que nós pegamos o barco e fomos, daí numa onda minha boneca caiu na água e eu fiquei desesperada, você mergulhou e resgatou a Sophia pra mim. Eu tava tão nervosa que nem agradeci.
- ...
- Obrigada!
- Ér...de nada.
- Bom, acho melhor eu ir indo, a senhorita deve tá com sono né?
- Não! Tudo bem! Eu tô adorando sua companhia.
- Mas tá tarde, preciso ir pra casa.
- Fica! Por favor! Dorme aí. Aposto que o Biju quer ficar. Não é Biju?
- au au au au auuuuuuuuu!!!

Ela deu um sorriso e cobriu o rosto de leve, Biju e eu olhávamos como cão sem dono pra convencê-la e ela disse:

- Tá! Eu fico. Só se eu puder arrumar tudo amanhã.
- Combinado!

Ela sorriu e voltamos a conversar, eu ouvia atentamente suas histórias, as vezes eu reparava nela, olhar denso, jeitinho tão meigo, ficaria olhando por horas e horas a fio. Ela parou de falar e deu um sorriso tímido:

- Pára de olhar assim, tá me deixando sem graça!
- Hã? Ah! Desculpa! Tá, vou parar.
- Você continua a mesma criança moleca, sabia?
- Eu?
- É, você! Tão linda!
- Agora quem ficou com vergonha fui eu.
- Isso me lembra quando éramos criança.
- Como assim?
- Eu olhava pra você, tão linda, menina moleca. Ficava encantada te olhando. Acho que era apaixonada por você.


Confusões Amorosas de uma Garota Perdida.Onde histórias criam vida. Descubra agora