A Falta do Adeus e a Dra. Simpatia.

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- Cadê a Fernanda?
- Minha filha, espero que você entenda, ela precisou viajar, recebeu uma proposta muito boa de emprego e resolveu ir.
- Hã? Mas como assim? Ela foi pra onde? Ela tá onde? Foi tão rápido? Foi tão fácil? Ela só foi?
- Acalme-se! Entenda, era algo muito importante pra ela, não tinha como recusar, ele teve que ir.
- Mas, mas, mas...
- ...

Na mesma hora me levantei, saí derrubando tudo, esbarrava nas coisas, andando sem saber pra onde, a Dona Joanna ainda tentou me segurar, eu falava que não queria que ninguém me segurasse, eu iria embora dali, saí andando, as pessoas metiam-se na minha frente, puxavam-me, seguravam-me, eu não parava, continuava andando, foi quando um dos meninos do grupo me segurou firme e uma voz disse:

- O que você vai fazer? Vai pra Austrália atrás dela?

Eu parei na mesma hora, respirei e joguei ele longe, não sei de onde tirei tanta força, ele era enorme, malhado, forte e eu simplesmente o mandei longe pro chão e dei de cara com a porta, abri e saí aos trancos e barrancos, fui andando pela rua sem saber pra aonde ir, só andava, escutava barulhos, sentia pessoas passando. Até que cheguei em um lugar que parecia movimentado, escutava música, pessoas falando, senti alguém do meu lado:

- Precisa de ajuda?
- Não, obrigada! Eu sei me virar sozinha.
- Você é sempre tão malcriada assim ou é só com os seus médicos?
- Hã?
- Eu acho que te mandei descansar!
- Doutora? É você?
- Pode me chamar de Nathalie.
- Não sei se gosto desse tipo de intimidade com uma médica.
- Por que?
- Sei lá! Me dá a impressão que você vai se sentir a vontade pra me cortar a hora que quiser só por pesquisa científica ou criar situações tipo "oi, prova isso." "o que é? um suco?" "não, dipirona, aspirina, dormonid, haloperidol e tylenol" "Hã?" "se você dormir e seu coração não parar de bater é porque funciona".

Ela deu uma gargalhada e disse:

- Eu não sou tão cruel assim!
- Sei! É o que todos dizem.
- Tira o dormonid que talvez possa ser eu.

Esbocei um sorriso:

- Certo, Doutora Nathalie! Isso é o que? Nome indiano?
- Não!
- Então?
- Eu sou brasileira, mas moro aqui desde rapariga. Depois voltei pro Brasil e depois voltei pra cá.
- Nossa! Que legal! Você morava onde no Brasil?
- Rio de Janeiro.
- Sério?
- Sério. Por que?
- Eu sou de lá.
- Sério?
- Não, eu só estava brincando.

Ela voltou a gargalhar e eu continuei:

- Não, não, é sério. Eu sou de lá sim. Vila Isabel, conhece?
- Claro! Morei lá um tempo.
- Sério? Aonde ali em Vila?
- A! Morava perto do Boullevard. Ainda existe?
- Existe sim.

Ficamos ali conversando, ela me ajudou a sentar no bar e pedimos um Chopp. Eu não bebo, mas fiz companhia.

- E o que você está a fazer por aqui e sozinha?
- Nada. Resolvi respirar um pouco o ar puro.
- Certo! E por que sozinha?
- As pessoas são estranhas.
- Ah é?
- Sim.
- Por que as pessoas são estranhas?
- Porque elas não sabem o que querem da vida.
- E você é tão decidida assim?
- Não.

Ela voltou a rir de minhas falas:

- Então como fala que as pessoas são estranhas?
- Eu falei que as pessoas são estranhas, não falei que eu não sou uma pessoa.
- Está certíssima! Adorei essa sua.
- Obrigada, obrigada! Meus fãs, meus queridos fãs.
- Você é sempre tão palhaça assim?
- Não, é só com médicas bonitas!
- Mas você não enxerga nada.
- Exatamente por isso.

Ela me deu um beliscão em brincadeira e rindo disse:

- Safada!
- Opaaaaa! Essa sou eu.
- Nossa, dessa eu não sabia. Você é safada?
- E aí, gatinha, você está desacompanhada? Posso te fazer companhia?

Depois de rir bastante, ela respirou fundo e disse:

- Bom, acho melhor te levar de volta pra casa, está ficando tarde!
- Mas já? Acha que vai se livrar de mim assim?
- Eu não quero me livrar de você.
- Ah não?
- Não, pelo contrário. Você é uma das pessoas mais divertidas com quem converso em anos.
- Obrigada!
- Nada! Você não imagina como é o hospital. As pessoas sempre mal, depressão, todos irritados, estressados, preocupados, vidas em risco, mortes.
- Por que resolveu ser médica então?
- Porque quando vi meu avô morrer eu prometi que faria o que pudesse pra ajudar as pessoas a ter uma vida melhor. Eu gosto da vida, não consigo ver uma pessoa que precise de ajuda e não poder ajudar, enquanto eu puder tentar e ajudar as pessoas eu o farei.

Eu tive de bater palmas para ela nesse momento:

- Muito bom, bonito de sua parte. Você é uma boa pessoa, generosa, solidária, isso é ótimo.
- E você, por que escolheu ser atriz?
- Como sabe que sou atriz? É a minha discrição toda?
- Não, vi na sua ficha e nas conversas com suas visitas. Aquela menina é sua namorada?
- Que menina?
- A que foi te buscar.
- Vic? Não, não, não. É minha amiga, conheci-a no grupo do teatro.
- Hum.
- Por que?
- Nada.
- Entendi.
- Entendeu?
- Sim.
- Entendeu o que?
- Nada. Mas é importante você achar que eu entendi, assim você pensa que sou esperta.
- Mas eu já penso isso, não precisa fingir que entendeu pra eu pensar isso de você.
- Obrigada! Sei que você virou minha fã.
- Menos, menos quase nada.
- Ahhhhh! Por que? Agora que eu estava começando a me sentir.
- E você está a namorar alguém?
- Não.
- Que bom!
- O que?
- Ér...Quer dizer. Ham! Eu quis dizer...
- Não escutei.
- Ahhhhh eu falei kibom, o garçom perguntou o sorvete que eu queria.

Essa foi a desculpa mais esfarrapada que eu já dei para alguém:

- Ah tá! Pede um Corneto pra mim?
- Claro!


Confusões Amorosas de uma Garota Perdida.Onde histórias criam vida. Descubra agora