Um Acerto de Contas.

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Acordei de manhã e desci pra tomar café, todos, ainda, me tratavam como criança que não pode se mexer:

- Não! Cuidado! Eu te ajudo! Vem! Por aqui!
- Quer que eu te sirva o café? Quer ajuda para tomá-lo.
- Não, obrigada!
- Tem certeza? Não vai derramar?
- Tenho. Obrigada!

Outra voz comenta:

- Tina? É a Vic!
- Eu sei.
- Como você sabe?
- Pela sua voz de taquara rachada.
- Ha ha ha! Muito engraçada.
- Fala, Vic.
- Nada não, só queria te perturbar mesmo. Quer ajuda aí?
- Não, valeu, eu já cresci o bastante pra tomar café sozinha.
- Ihhhhh! Que bicho te mordeu, santa?
- Ahhhh! Cara, todo mundo parece que me trata como bebê, só falta colocarem fralda. Eu fiquei cega, não significa que voltei a ser neném.
- As pessoas só querem te ajudar.
- Eu me viro!
- Você é sempre assim ou por maioria de votos?

De repente alguém se mete na conversa:

- Ela sempre foi assim, acredite!
- Pri?
- Oi, Tina!
- O...o...o...oi!

A Vic falou:

- Você é a Pri?
- Sim?!?!
- Oi, eu sou a Vic!
- Prazer!
- Bom, vou deixar vocês a sós pra conversar.

Eu puxei a Vic pela camisa e sussurrei:
- Agora que você tinha que ficar pra me ajudar você sai, né?
- Você não falou que se virava? Boa sorte!

A Vic virou-se para a Pri e falou:

- Prazer em conhecê-la Pri! Até mais!
- Que isso?!?! Prazer foi todo meu. Até!

A Vic saiu e me deixou na sala com a Pri. E mesmo eu não a enxergando podia sentir cada passo dela, cada respiração, cada movimento que ela fazia. Ela veio sentar do meu lado e eu levantei:

- Tina?!?!
- O que você quer?
- Será que podemos conversar?
- Podemos. Começa você porque eu tô cansada de falar um monte de coisas que não vão dar em nada.
- Você podia ao menos me dar uma chance.
- Chance? Chance de que, Pri? De eu te magoar? De você me magoar? De insistir numa coisa que não vai dar certo?
- Não! Tina, a gente nem tentou pra saber se ía dar certo.
- Precisa tentar?
- Você não acha que precisa? É vidente por acaso?

Eu fui numa fúria até ela, segurei os seus braços, tateei até seu rosto e a beijei firme e dura, com toda dor que ficara no meu coração. Ela se assustou, ficou tensa, parecia ter endurecido e virado pedra de tanto espanto com o beijo.
Eu continuei firme com o beijo, duro, travado, um beijo de raiva. Ela amoleceu, pensou em me abraçar, tentou fazer carinho e eu a empurrei como se não fosse nada, se eu não tivesse sentido absolutamente nada e me virei de costas pra onde estava:

- Viu? Tentamos.
- Tina, eu...
- Você?
- Eu te amo!
- ...
- Me desculpa se te magoei! Deixa eu consertar esse erro. Você também errou comigo, você me largou naquela noite, te vi no carro com outra. Você acha que não doeu? Você acha que não fiquei puta contigo? Você acha que não quis te trucidar viva?
- Eu admito meu erro Pri e tentei pedir desculpas e te explicar. Sofri e sofro por esse erro, mas nunca foi por vingança. Se você queria se vingar de mim, conseguiu. Eu sofri muito, ainda sofro, ainda penso em você as vezes, ainda fico com raiva de mim pelo que fiz com você. Mas o que fiz não foi de propósito, acredite e por saber que era complicado e não querer te machucar que não quis ir além naquele dia, lembra? Foi por medo de te magoar e te magoei. E pago por isso. Mas não venha continuar a me confundir, não diga que me ama quando você só me manda pro inferno todos os dias. Desculpa, Pri, mas não aguento fazer esse papel de idiota pra sempre. Você se vingou, agora me deixa em paz!
- Tina, eu não quero me vingar de você, eu não tô aqui pra isso! Será que você não entende que fui mesmo uma tosca por fazer aquilo com você, mas que só percebi quando te vi partir e pensei que nunca mais iria te encontrar, que te perdi e isso doeu mais que tudo. Eu te amo, Tina! Por que você não dá uma chance pra nós?
- Porque...Por que eu não dou uma chance pra nós?
- Sim.

Nesse momento eu pensei no que ela disse e pensei em tudo que tinha acontecido. De que adianta ficar nessa mágoa toda? Por que eu não posso simplesmente seguir? O que passou já passou, eu vivo no presente. Não é mesmo? Eu respirei fundo e senti como se um peso começasse a me deixar, sair das minhas costas e eu estendi as mãos, a Pri veio até mim com cautela, com cuidado, receosa, segurou minhas mãos e eu a puxei e a abracei forte, nós choramos, dava pra sentir ela soluçar ao chorar, era como se limpasse a alma, sentia ela me apertar como se não quisesse mais me largar, se entregava ao meu corpo como se quisesse ser uma só. E eu percebi, ela não era, nós não éramos uma só. A afastei com cuidado, sorri com carinho e tentando limpar as lágrimas de seu rosto eu disse:

- Pri, não quero levar uma mágoa sua pro resto da minha vida. Não de alguém tão importante como você, que me acompanhou e tantas vezes me fez sorrir, gargalhar, você sempre terá meu carinho. Eu não sei nem se tenho direito de dizer isso, mas te perdoo e espero que me perdoe também, porque errei com você e não quero que você viva magoada comigo.
- Não vou! Vamos nos acertar, tenho certeza e ficaremos bem, você vai ver. Assim que voltarmos pro Brasil podemos fazer uma festa e...
- Eu não vou voltar com você, Pri.
- Hã? Por que? A peça? Eu espero acabar a temporada.
- Não, Pri, não é a peça.
- Mas então?
- Me desculpa, eu sei que você é uma menina maravilhosa, na verdade é uma mulher maravilhosa e...
- Pera! Do que você tá falando Tina? Você quer dizer que não vai, nós não vamos ficar juntas? Mas, mas, mas eu te amo! Eu sei que você me ama também, eu sei. Tina você me ama e a gente vai ficar bem como sempre ficou, não é? não é?
- Vai ficar tudo bem sim. Eu te amo, Pri e sempre vou te amar por quem você é, mas infelizmente não é mais daquele jeito.
- Então?
- Pri, volta pra casa, estude, se dedique a dança que eu sei que é o que você gosta, viva, aproveite ao máximo e seja feliz, porque você merece isso, você merece alguém muito melhor que eu.
- Não, não, não! Eu não quero alguém melhor que você! Eu quero você, Tina! Por favor, não me tortura assim vai!
- Não estou te torturando. Capaz de você me odiar agora, mas estou sendo o mais sincera que posso contigo, não quero mentir pra você e te magoar de novo, você não merece e eu não mereço viver fingindo uma coisa que sei que não é.

Fui pra bem perto dela, sabia que ela estava confusa, em choque, que chorava, mas não podia mentir, queria mesmo vê-la feliz, então dei um beijo na sua testa e disse baixinho, quase num sussurro:

- Se cuida, Pri. Te amo!

NOTA DA AUTORA: "te amo", segunda uma amiga, é diferente de "eu te amo", o primeiro é no sentido de amizade e o segundo no sentido de paixão.

Afastei-me aos poucos e aos tropeços eu saí de casa. Ouvia e sentia ela chorar, se desmanchar em lágrimas, mas tinha o pressentimento de que ela ficaria bem, algum certo anjinho estaria lá pra cuidá-la e eis que ouvi passos engraçados e que me eram familiares, deixei-as lá e fui embora.


Confusões Amorosas de uma Garota Perdida.Onde histórias criam vida. Descubra agora