Penas e cabelos

165 13 0
                                    

- Isso quer dizer que...? - Pergunta o Bryan.
- Não, nunca fui violada.
- Então... O que aconteceu? - Pergunta o Ryan.
- Acho que tive sorte... - É tudo o que consigo dizer.
- Stingy...
- Eu não vos estou a contar isto para vocês ficarem ainda com mais pena! Já passei por pior e estou aqui. Não vai ser o Liam - digo enojada - que me vai deitar a baixo!
Eles anuem e tentam fingir que entenderam e que não têm pena, mas não enganam ninguém.
Umas horas depois estou sozinha no meu apartamento. O Ricardo recusou-se a sair, mas eu não conseguia aguentar mais a paranóia dele e expulsei-o.

Acordo com o despertador do telemóvel e saio da cama a bocejar.
Estou literalmente a correr para me despachar, porque já estou mais do que atrasada, mas não oiço as queixas do Ryan como normalmente.
Agarro na mala e abro a porta.
- Bom dia. - Dizem em coro com um sorriso falso.
- Cuidado, com sorrisos desses ainda me convencem que não estão com pena! - Ironizo e eles baixam a cabeça. - Uau! Nem dizem que eu acordei mal disposta!!
- Bom dia, amor! - Sauda o Ricardo ao chegar.
Amor?!
Ele aproxima-se de mim e tenta dar-me um beijo, mas eu empurro-o.
- Eu vou apanhar o metro hoje. - Declaro e vou-me embora.
Ninguém me tenta parar, ninguém me chama, ninguém percebe que ao terem pena de mim só me estão a pôr pior.
Quando chego à universidade estão todos à porta à minha espera. Todos me sorriem ao me verem chegar. Todos com o mesmo sorriso falso, que parece ser o único que eles me conseguem mostrar.
- Até perceberem que eu estou bem e que sou a mesma pessoa que era antes de isto tudo acontecer, não se preocupem em esperar por mim de manhã, em dar-me boleia ou em almoçar comigo. - Decido.
- O quê?! Porquê?! - Pergunta o Ricardo.
- Porque eu não aguento os vossos olhares cheios de pena e sorrisos falsos! O que vocês estão a fazer agora é pior do que o que o Liam me fez! - Respondo quase a gritar e vou-me embora.
Passo o dia sozinha, não porque eles não vêm ter comigo, mas porque eu os afasto e evito.
A hora do treino chega e eu vou para os balneários. Todas as raparigas olham para mim com pena. Cambada de galinhas...
- Ouvi dizer que quiseste ter sexo com o Liam e quando foste apanhada disseste que ele te tentou violar. - Diz a Andrea.
- Por isso é que eu gritei por ajuda e ele me deu murros e pontapés! Era tudo para o sexo. - Ironizo.
- Se estás assim tão mal, devias ir embora e deixar-me liderar esta equipa como deve de ser.
- Continua a sonhar.
Saio dos balneários e começo a aquecer.
Um a um todos os membros de ambas as equipas vão chegando. Todos me olham da mesma maneira, todos me cumprimentam e sorriem igualmente. Todos menos um.
- Will! - Chamo e ele olha para mim como sempre olhou. - Importas-te de dizer a estes idiotas todos porque é que não devem ter pena de mim?
- Não há nada para ter pena. Devíamos estar todos aliviados e felizes por nada ter acontecido à nossa Lucky.
- Finalmente, alguém que me entende! Já perceberam?! Eu não sou uma boneca partida. Eu não sou uma pobre coitada que sofreu a vida toda e que é infeliz! Por isso parem de ter pena de mim!!
- Olha, olha a convencida! Ó miúda, eu estou assim porque discuti com a Maggie e ela ficou chateada! - Goza o Ryan após um minuto de silêncio.
- E continuo! Acabaste com a comida toda do frigorífico! Outra vez!!! - Responde a Maggie fazendo toda a gente rir.
A maior parte entende, mas os que me conhecem melhor continuaram com o mesmo olhar que magoa mais do dez Liam's juntos.
Começo o treino com uma coreografia nova e a claque acompanha-me ao ritmo da música, apanhando facilmente os primeiros passos.
- Fartei-me! - Grita a Andrea.
- O que é que foi agora?! - Pergunta exasperada.
- Estou farta das tuas coreografias! São sempre completamente diferentes da anterior!
- Queres fazer o mesmo cada vez que atuares?!
- Eu nem sei se estamos a fazer bem os passos!
- Estão! - Asseguro.
- Como é que podes ter a certeza??
- Porque eu sei dançar!
- E quem me diz que és boa a dançar?!
Farta das queixas inacabáveis dela, levanto a perna direita e pouso-a num banco, puxo as leggings até meio da minha perna e mostro a cicatriz.
- Parti a perna num ensaio para os mundiais. É assim que sabes que eu sou tão boa quanto digo.
- Tu ganhaste os nacionais? - Pergunta Maggie espantada.
- Diz-se que sim... Agora já podemos continuar? - Pergunto à Andrea. Ela vira-se irritada e volta para a sua posição sem dizer nada.
Acabo o treino por volta das seis e meia, pego nas minhas coisas e saio da universidade em direção ao metro.
- Stingy.
- O que é que estás aqui a fazer? Não devias estar no balneário?
- Queria falar contigo e sabia que ias direta ao metro.
- Queres dizer-me o quê?
- Que eu não estou com pena. Estou irritado comigo próprio por não estar contigo quando mais precisaste de mim!
- Tu estavas lá!
- Não, não estava! Eu estava em casa descansado enquanto tu eras atacada!
- Não havia forma de saberes o que ia acontecer! - Aproximo-me dele e ponho as minhas mãos na sua cara. - O importante é que estavas lá quando eu me senti fraca e insegura. Estavas lá para me dar força e para me proteger. Isso foi o mais importante!
- E se...?
- Não há nenhum "se"! Não aconteceu, não importa!
- A minha Stingy... - Diz com um suspiro.
Ele agarra-me na cintura e beija-me.
- Sabes, estava a pensar que podíamos ir jantar àquele restaurante português da última vez. - Sugere.
- Acho isso uma óptima ideia... Mas preciso de um banho primeiro.
- Eu levo-te a casa. - Sorrio e não lhe respondo.

- Tens uma hora para te despachares! - Diz antes de sair do meu apartamento.
- Eu sei, eu sei!
Ele dá uma ligeira gargalhada e vai-se embora.
Vou para o banho que, infelizmente, só dura quinze minutos. Tenho de me despachar se não quero ter o Ricardo a melgar-me a noite toda!!
Visto umas calças de ganga clara e uma camisola rosa com renda branca atrás. Calço as minhas botas pretas e vou para a casa de banho.
- Stingy! - Chama depois de abrir a porta.
- Estou quase!
- Despacha-te! - Responde com um suspiro.
- Queres que eu vá gira ou como um vagabundo?!
- Mesmo se fosses um vagabundo eras linda! - Diz com uma ligeira gargalhada e eu imito-o.
- Cala-te senão eu demoro mais!
- Finge que eu não estou cá. - Diz e oiço-o mandar-se para o sofá e ligar a TV.
Faço uma trança espinha de peixe de lado e ponho um gloss simples. Tiro o casaco do armário e vou para a sala.
- Estou pronta!
Ele levanta-se do sofá, desliga a televisão e olha para mim.
- Solta o cabelo.
- Porquê? - Pergunto confusa.
- Simplesmente, solta-o
- Não! Esta trança trança deu demasiado trabalho a fazer!
Ele semicerra os olhos irritado e vem ter comigo.
- Solta-o. - Ordena.
- Diz-me primeiro porquê.
Ele abre a boca para responder, mas fecha-a rapidamente e cora.
- Ricardo?
Ele não me responde, em vez disso levanta a mão e tira o elástico que prende o meu cabelo e começa a desmanchar a trança.
- Hey! Para!! - Grito e afasto-me dele, mas a trança ficou completamente destruída. - Mas qual é que é o teu problema?!
Ele não me responde, outra vez, limita-se a olhar para mim com o sorriso irritante.
Grito exasperada e vou para a casa de banho refazer a trança.
- Não! - Diz quando chega à casa de banho e me vê a refazer o que ele destruí.
- Porquê?! - Ele olha para mim em silêncio. - A não ser que me digas o porquê eu vou continuar a refazer a trança e muito provavelmente não saímos daqui hoje.
- Ias sacrificar um jantar grátis por uma trança?!
- Sabes bem que sim!
Ficámos em silêncio, a desafiar o outro apenas com o olhar, até que ele suspirou fechou os olhos numa tentativa de se acalmar.
- Eu... É que... Tu...
- Diz logo!
- Eu gosto mais de te ver de cabelo solto... - Cora.
- A sério?! Tanta porcaria só por causa disso?!
- Bem...sim. - Diz ainda corado, levanto uma mão à nuca e esfregando.
Rio-me, aproximo-me dele e dou-lhe um beijo no canto da boca. Ele esquece-se logo do que aconteceu e enrola os braços na minha cintura e olha para mim com um olhar sedutor.
- Vamos? - Pergunto.
Ele aproxima-me e beija-me.
- Posso dizer que não? - Pergunta quando nos separamos.
- Não.
- Calculei...
Eu rio-me e ele junta-se a mim pouco depois.
Ele deixa um braço na minha cintura e conduz-me para a porta, pela qual eu saio. De cabelo solto.

Lucky CharmOnde histórias criam vida. Descubra agora