RIP

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Hoje é o funeral.

Entro no cemitério; ouço o padre; vejo os meus pais serem enterrados juntos no chão.

O Ricardo nunca sai do meu lado, sempre com a mão dele entrelaçada na minha, mas não me conforta. Sim, faz-me sentir que ele está lá para mim. Sim, sei que não estou sozinha. Mas não tira a dor, a solidão, o desespero. Não apaga a saudade, as memórias. Não destrói o sufoco no meu peito.

- Agora, a filha de Linda e Rafael Rosa vai dizer umas palavras em honra aos seus pais. - Declara o padre, fazendo-me sinal para ocupar o lugar onde ele estava antes.

Engulo as lágrimas e, com um último aperto de mão por parte do Ricardo, vou para a frente da família e amigos dos meus pais.

- Os meus pais eram pessoas simples. Alegravam-se com as pequenas coisas da vida e aproveitavam cada segundo que tinham. Eram pessoas humildes, solidárias e bem-disposta, mas mais importante que tudo eram pessoas únicas. Penso que cada um de vocês concorda que não existe qualquer outra mulher de 40 anos que invade o espaço para crianças do IKEA só para ir para a piscina de bolas e depois usa a desculpa que pensava que a filha se estava a afogar, tendo em conta que eu nem estava no espaço. Nem que existe outro pai que obriga a filha no infantário a usar uma mochila que dizia "meninos afastem-se, o meu pai morde"! - Rio-me, começando já a ver tudo turvo. - E depois tiveram uma morte tão cliché como um condutor bêbado que vinha em contra-mão. O mais engraçado é que se a minha mãe estivesse aqui, a ver-me chorar por isto diria uma coisa do tipo: Yasmin Rosa! É bom que substituas essas lágrimas por um sorriso de orelha a orelha ou eu faço-te passar a maior vergonha da tua vida!! Consigo mesmo imaginar o meu pai a rir e a passar o braço pelos ombros da minha mãe, a puxá-la para mais perto.
Como filha deles, sei que eles acreditariam que nos estão a ver neste momento e o que mais desejam é que nós festejemos a vida deles e não que choremos pela sua morte, por mais difícil que isso seja.
Enquanto casal, eles eram simplesmente perfeitos um para o outro. Completavam-se mesmo. E até, por mais que me doa, fico feliz que eles tenham ido ao mesmo tempo, pois eles já não sabiam viver um sem o outro.
O meu maior desejo neste momento é que, estejam eles onde estiverem, que estejam juntos e a zelar por todos nós.

O funeral acaba, mas infelizmente as minhas lágrimas não.

- Yasmin, a sua mãe deu-me esta carta para lhe entregar quando ela falecesse. - Diz o padre, estendendo a carta.

Murmuro um agradecimento rápido e abro a carta, reconhecendo de imediato a letra da minha mãe.

Querida Yasmin, minha pequena rosa, hoje, foste para Nova Iorque, realizar o teu sonho. E ver-te embarcar naquele avião fez-me perceber que já estás tão crescida e que o nosso tempo juntas vai diminuir cada vez mais, por isso, decidi escrever-te esta carta a explicar aquilo que tu tanta vez me perguntaste: o porquê de te chamares Yasmin.
Como sabes a primeira vez que eu e o teu pai nos conhecemos, foi quando eu o apanhei a pôr um colar na minha mala, como se eu é que o tivesse roubado e, como sabes, não acabou bem para o lado dele... Mas o teu pai, deve ser masoquista ou coisa parecida, porque logo a seguir, convidou-me para sair. Eu disse que não. Meses mais tarde, eu estava a passear numa feira e nós encontramo-nos por mero acaso. Começamos a passear e a falar de tudo e de nada. Quando passámos por uma banca de tapetes, não me perguntes porquê, mas invadimos aquilo e sentámo-nos em cima de um tapete roxo. A filha com uns meros cinco anos, não mais, do dono vê-nos e começa a gritar: é a Yasmin e o Alalino!!
Eu e o teu pai começámos a correr, a fugir do dono e obviamente a rir feitos parvos.
Nesse momento apaixonei-me pelo teu pai e ele por mim e quando finalmente parámos de fugir, demos o nosso primeiro beijo. Uma semana depois, começamos a namorar, três anos mais à frente casamos e duas semanas a seguir ao casamento vieste tu, Yasmin. Por isso, podes agradecer àquela menina pelo teu nome.
Eu amo-te, minha pequena rosa. Eu e o teu pai amamos-te mais do que tudo neste mundo, nunca te esqueças disso.

- Stingy? Estás bem?

- Vamos para casa, Ricardo.

Ele assente e, puxando-me para ele pela cintura, leva-nos para casa.

Chorei tanto, mas TANTO meu Deus!! Quase me arrependo de ter escrito que eles morreram, mas se o fiz agora é para cumprir!
Não sei quanto a vocês, mas eu acho que vou ficar de luto pela Linda e pelo Rafael esta semana.

#RESTINPEACE

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