Adeus

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- Chegámos! - Anuncio, entrando no apartamento com a Becas.

- Estou na cozinha! - Diz o Ricardo.

Penduro a minha mala e a Becas deixa a dela ao pé da pequena secretária que lhe compramos quando as aulas começaram. Entramos as duas na cozinha onde o Ricardo está a fazer o jantar.

- Olá, 'mor. Como foi a escola, Becas? - Pergunta, largando os tachos rapidamente para me dar um beijo e esfregar a pequena cabeça da Becas, que se irrita e lhe bate na mão, fazendo-o rir.

A minha irmãzinha sai da cozinha e vai para a sala de onde se ouve a televisão ligar logo a seguir.

- Como foi o dia, Stingy?

- Normal.

- E o treino? Como é que a nova equipa se está a aguentar? 

- O Eden está a pô-los em forma, não te preocupes.

Continuamos a falar sobre o nosso dia, até que o assunto do desemprego do Ricardo acabar por chegar.

Ainda não passou muito tempo desde que ele acabou a universidade. Já passaram uns meses e ele já tentou múltiplos trabalhos, mas foi sempre rejeitado. É complicado para alguém que tinha aulas e treinos intensivos todos os dias, mais jogos aos fins de semana, ficar simplesmente quieta sem fazer nada o dia todo. Ele tenta esconder o seu descontentamento e a sua infelicidade, mas eu percebo e tento ao máximo confortá-lo. 

Ele evita o assunto e depressa já jantámos e mais um dia chegou ao fim.

- Boa noite, Stingy. - Deseja, beijando-me com fervura.

- Boa noite, Ricardo.

Acordo e mais um dia começa. 

Deixo a Becas na escola e vou para a universidade. As aulas começam, as aulas acabam. Faço o treino e vou para casa onde a Becas e o Ricardo já me esperam para jantar.

Qual não é o meu espanto ao descobrir que só o Ricardo está em casa. 

- O que é que se passa? Onde está a Becas?

- Pedi à minha mãe para ficar com ela esta noite, não te preocupes. - Explica com um sorriso fraco.

- E porque é que estás com essa cara?

- Recebi uma proposta de trabalho.-

- O quê? Isso é óptimo! Parabéns!! - Exclamo, aproximando-me dele para o abraçar, mas ele desvia-se e vira-me costas. -  Ricardo o que é que se passa?

- O trabalho não é cá.

- Ok... Tenho a certeza que nós conseguimos superar uma mera distância... - Conforto.

- Não é uma mera distância, Stingy. O trabalho é em Pequim!

- Pequim... Pequim em como a capital da China?!

- Sim.

Respiro fundo e sento-me no sofá, pondo a cara entre as mãos.

China... O outro lado do mundo...

- O que é que vais fazer? - Pergunto.

- Não sei.

- Queres ir não queres?

- Quero mais estar contigo!

- Mas não serias feliz assim. Como é que é o ordenado?

- 500 por tradução, mínimo duas traduções por dia. O contrato é de cinco anos se eles gostarem do meu trabalho no mês experimental.

- 30 000 por mês. No mínimo. - Suspiro, preparando-me para o que se segue. -  Devias ir.

- O quê?! Não!! Eu amo-te e quero ficar contigo!

- Ricardo isto é a oportunidade de uma vida! Nunca mais vais ter uma proposta como esta na tua vida! Devias aceitar.

- Tu és mais importante do que qualquer trabalho neste mundo!!

- Se já te tivesses decidido como queres que eu pense que já fizeste, então nem sequer estarias a falar neste assunto, muito menos ter pedido à tua mãe para ficar com a Becas. Tu já sabes como é que isto vai acabar e vai ser contigo a sair por aquela porta em direcção a Pequim.

- Mas Stingy...

- Nada de mas. Tu planeaste isto como uma despedida, não foi? - Soluço.

Ele aproxima-se de mim e põe uma mão na minha cara. Inclino-me perante ao seu toque, aproveitando todos os segundos em que ele está em contacto comigo, sabendo que esta deve ser a última vez que vamos estar juntos desta maneira.

- Eu amo-te, Yasmin.

- Eu sei. Também te amo, Richard.

Foi como uma promessa silenciosa. Uma última noite juntos. Uma última derradeira demonstração de afecto. Um acordo subentendido em que voltávamos ao início, seguindo em frente e deixando para trás a altura em que eu fui a Stingy e ele foi o Ricardo. 

Ele beijou-me com todo o carinho, paixão e amor que era possível  e eu pude provar tanto as minhas lágrimas como as dele.

Nessa noite fizemos amor vezes e vezes seguidas, numa despedida que nenhum de nós queria fazer, mas que ambos sabíamos ser necessária. Por fim, a manhã chega.

- Quando é que partes? - Pergunto abraçada ao seu tronco nu.

- No final da semana. Vou ficar em casa do Gabe, não te preocupes. - Responde, acariciando a minha cabeça levemente. Encosto ainda mais o meu corpo despido contra o dele e vejo-o estremecer.

- Não precisas. Podes ficar cá enquanto o dia não chega.

- Tens a certeza? - Assinto.

- Quero estar contigo até ao momento em que tiveres de partir e ver-te sair pela mesma porta que entraste no dia em que nos conhecemos.

- Parece que foi à séculos...

- Eu sei. Já aconteceu tanta coisa que parece inacreditável que chegámos tão longe!

- E agora vamos ser separados por algo tão estúpido como um emprego!

- Não é estúpido! É a tua carreira, uma parte importante da tua vida.

- Tu és mais...

- Se ficasses comigo e não aceitasses o emprego, irias ficar o resto da tua vida a pensar em como seria se tivesses aceite e eventualmente nós iríamos acabar a discutir por um velho ressentimento e íamos separar-nos.

- Não poder ter a certeza que era isso que iria acontecer!

- Conheço-nos o suficiente para saber que era o que iria acontecer.

Ele põe-se de lado e agarra-me pela cintura, puxando-me contra o seu peito.

- Eu amo-te!

O resto da semana passa a correr e eu mal apareço ma universidade o nos treinos, aproveitando todos os segundos que tenho com o Ricar. Com o Richard.

A Becas ficou devastada quando soube que o Richard se ia embora e chegou mesmo a chorar agarrada a ele e a implorar-lhe para não ir. O Richard chorou a noite toda nesse dia, tal como eu. 

Por fim o dia chega. A Becas despediu-se dele de manhã e só resto eu.

- É agora. - Declara. - Eles podem nem gostar de mim! Posso estar de volta daqui a um mês.

- Ambos sabemos que não vai acontecer, Richard. - Digo já com lágrimas nos olhos.

- Adeus, Yasmin. - Despedece, abraçando-me. - Eu amo-te, minha Stingy!

- Eu também te amo, meu idiota! - Exclamo, deixando as lágrimas escorrer pela minha cara. - Agora, vá. - Afasto-o. - Tens de ir ou ainda chegas atrasado.

Ele assente e pega nas malas, indo em direção à porta.

- Ricardo! - Chamo e ele vira-se para trás.

Corro para ele e beijo-o como acho que nunca beijei antes.

- Adeus.

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