Tempo

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O abraço demorou demasiado, arrependi-me dele logo de seguida, pois agora ela ia pensar que eu me importava e ia exigir algo que eu não podia dar.

O pior era pará-lo e olhar os seus olhos com lágrimas nos cantos, não sei porque isso me perturbava, talvez porque eu já estive no lugar dela, eu queria descobrir tudo o que tinha acontecido, eu queria demais e perdi-me. Quando ela me olhou, eu sofri, pois era como olhar no espelho,tudo de novo, ela aproximou-se demasiado, estava a tornar-se um habito, tentei afastá-la, mas não estava a resultar, era como se um íman me puxa-se, eu não sei porque lhe dava importância, era apenas mais uma miúda que perdeu os pais.

- Os teus pais morreram, não á nada que possas fazer para os trazer de volta.

Tentei o mais rude possível.

- Incrível como passas para a defensiva em segundos, isto é algum tipo de máscara que usas?

- Não, apenas disse a verdade, as pessoas costumam ter problemas com a verdade, é por isso que buscas respostas, certo? para arranjares uma forma de fugir á verdade.

- Fugir á verdade?

- Sim, de que os teus pais não vão voltar, que mesmo que descobrisses algo, eles não voltarão com asinhas para mostrar o quão orgulhosos estão.

- Tu és um imbecil sabias? Não entendes, falas muito para um rapaz que... que não sabe viver, que se esconde, que ignora tudo e todos.

- Tu não me conheces.

- Nem tu a mim!

- Conheço sim, menina que perdeu os pais ainda nova, que vive em busca de pistas para nada, só estás a tentar ocupar tempo, vida...

Não sei explicar o que aconteceu em seguida, apenas me recordo da estalada que ela me deu, e de a agarrar quando ela se dirigia ás escadas, beijei-a não sei porquê, apenas queria arranjar uma forma de a deixar fula, pela chapada e por tudo, fiz porque me apeteceu, porque no momento eu queria confundi-la e magoa-la, não sei.

- Larga-me...

Sorri involuntariamente devido á sua face, estava demasiado hilariante, ela tentava soltar-se e eu mantinha-a presa, assim parecia menos perigosa, vulnerável.

- Vais tentar bater-me de novo?

- Tu é que começas-te! Não entendes nem tentas entender, apenas porque por um segundo mostras-te preocupação  e tiveste medo.

- Foi por isso que me bates-te?

- Sim, e tu porque me beijas-te?

Irritava-me a forma como me olhava, como se cruza-se todas as linhas que eu pudesse definir ou passa-se todas as barreiras que eu estabelece-se.

- Tu mereces-te.

- O quê?

- Dilan, ajuda-me...

Ouvi uma voz fraca, e de seguida vi um corpo ensanguentado.

Agarrei-a antes que caísse e gritei para que Eve, que estava ali parada, chama-se uma ambulância. Constança estava deitada no chão a sangrar muito, as minhas mãos cobertas de sangue levaram a minha mente á noite em que perdi tudo. Sangue, algo que define tudo, se perdemos morremos, algo que nos liga a outros; para mim sangue é apenas sangue, não define quem somos ou quem realmente nos ama.

Só me lembro de entrar na ambulância, e todas as pessoas juntarem-se para assistir, os olhos de Constança estavam meio fechados e ela tinha dificuldade em respirar. 

...

17:38

Passa o tempo mas nada realmente passa a não ser as pessoas doentes e os médicos responsáveis, enfermeiros e outros.

18:40

Odeio hospitais, sempre odiei, demasiado brancos, demasiado tristes. A ultima vez que estive num foi quando perdi o Brad, quando os meus pais me abandonaram, e a única pessoa que me salvou está agora aqui, entre estas paredes brancas, que têm entranhado o cheiro de doença, de dor e mágoa.

20:26

- Dilan?

Levantei-me ao ouvir o meu nome e um homem que presumi ser médico aproximou-se.

- Com que então tu és o Dilan, Sra.Constança está a mostrar melhoras, chamou-te mas como ainda está um pouco fraca, não a aconselho a receber visitas.

- Eu espero.

- Acho melhor descansares, não tens quem te venha buscar?

- Não, eu vou ficar.

- Não se preocupe, eu tomo conta dele.

Mesmo antes de olhar, já sabia quem era a vizinha intrometida que tinha vindo até cá, eu não sabia classificar o tipo de ódio que sentia por aquela miúda, nem se era ódio mesmo. Ela apenas parecia estar sempre lá, lembrava-me momentos que queria esquecer. Aproximou-se como de costume e pôs os braços em volta de mim, não tive qualquer reação, apenas afundei a cara no seu cabelo, apesar de alta, ainda era bem mais baixa que eu.

- O que vieste aqui fazer?

Sussurrei e recebi um sussurro de volta.

- Vim retribuir o abraço, e antes que me afastes com qualquer coisa estúpida, eu não tenho boleia de volta, por isso sê gentil.

Sorri involuntariamente, o que estava a fazer? Tirei a mão da sua cintura, e afastei-me, assim era mais fácil de controlar impulsos repentinos.

- Eu não sou gentil, não tinhas de vir.

- Eu sei, mas acho que sou a tua única espécie de "amiga", por isso...

Sentei-me na cadeira branca, ela sentou-se na do lado, eu estava cansado demais para argumentar, era tarde... 

- Dilan?

- Hmm?

- Desculpa.

- Porquê?

- Talvez por me intrometer demasiado, por não ter reagido quando Constança apareceu assim, pela estalada, pelo que vou dizer...

- O que vais dizer?

- A minha prima viu pela janela de minha casa,  Constança cortar-se.

- O quê?

- Eu...

- Vai-te embora.

- Olha...

- Vai-te embora!

- Eu estou a dizer-te a verdade, só não percebo porque o fez, mas tu deves saber.

- Sai!

Não quis que acontece-se mas aconteceu, eu senti lágrimas nos meus olhos, e ela olhava-me com o que não podia ser mais nada a não ser pena, sai do hospital, precisei sair, estava a sufocar, memórias presas em nós de lembranças espalhadas e perdidas. Ela veio de novo, eu queria mandá-la embora, mas ela não ia, queria magoa-la mas ela não se feria, queria fazê-la sofrer tanto quanto eu estava naquele momento, mas era demasiado difícil. Ela olhou-me nos olhos e então percebi o quanto vulnerável estava.

- Hey, desculpa mas eu não acho que sair, que deixar-te aqui, vá ajudar.

- Eu odeio-te, foi por tua causa que isto aconteceu, que ela se cortou.

- O quê?

- Ela viu-nos, ela viu-me beijar-te.











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