Lembro-me

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O ruído, o chiar das rodas naquele chão, ouvi-me gritar o nome de Dilan... ou David, lembro-me de correr e de o meu coração cair, aquela sensação de desespero familiar, o medo... Avancei na obscuridade da noite, com as lágrimas a transbordar no meu rosto e o dono do carro saiu assustado, algumas pessoas vieram ver o que tinha acontecido. Olhava ao redor já á espera daquela cor familiar, daquela imagem... mas...

Nada...

Onde estava Dilan? 

O que aconteceu?

Lembro-me daquela dor que senti no braço enquanto Ian o apertava e o alivio ao ouvir aquela voz, as discussões, o querer saber, descobrir... Tinha dado a noite por terminada, até que a minha prima disse-me que ele ainda ali estava, parva desci, parva atravessei a rua, parva falei-lhe... e agora ele desapareceu. Não era possível, não era comum, ele estava ali á minha frente, ele olhou-me com aqueles olhos negros que se confundiam com a noite mas depois eu não sei mais o que aconteceu. Talvez se tenha desvanecido com o luar, talvez tudo seja apenas um sonho, um pesadelo...

As pessoas ficaram a olhar ao redor, perguntavam se eu estava bem, eu estava assustada, queria acordar, as lágrimas não paravam de correr e ouvi a voz dos meus pais, eu não estava bem, eu tinha de encontrar Dilan!

- Dilan! Dilan!

- Querida tem calma, quem é o Dilan?

- O Dilan... ele... estava aqui... ele desapareceu... por favor ajude-me.

- O que aconteceu, o que tem a rapariga? 

- Ela atravessou a rua a correr, gritou o nome de um rapaz, eu assustei-me e só parei o carro.

A senhora segurava o meu braço e o homem do carro parecia assustado enquanto falava com os outros e eu não estava a perceber nada, pensaram que eu tinha sido atropelada pois não estava ali ninguém, mas... Alguém da vizinhança chamou a minha tia que aflitissima me queria levar ao hospital.

- Querida o que aconteceu? Estás bem?

- Estou tia, o Dilan! Ele... o carro bateu-lhe, ele caiu, ele...

- Querida tem calma, de quem estás a falar?

- O Dilan! O nosso vizinho! Ele caiu... eu vi! Ele não está aqui...

Eu estava aos gritos na rua, já metade da festa estava ali, a Lu e o Mat correram para mim, tinham chamado uma ambulância, pensaram que eu tinha sido atropelada, o meu tio apareceu entre a pequena multidão, tentavam acalmar-me, lembro-me daqueles rostos assustados, mas nenhum era o que eu procurava. Dilan onde estás tu?

...


An hospital is an empty place, realmente... Cheio de corpos vazios pois as almas estão perdidas por aqueles corredores que nunca terminam. O odor de esperança misturado com fim. Almas perdidas, eu agora era uma delas, quão dramática, quão pensativa e problemática. 

O que se passa? A escola começou, estava na festa com os meus amigos... Ele apareceu, eu fui com ele, ele desapareceu e aqui estou eu mais perdida do que ele. Tinha que falar com Constança, tinha de perceber o que se estava a passar, quem? como? Acho que estou fora de mim, estou a perder a cabeça. Depois de o médico me ter examinado...

- Sentes alguma tontura? Alguma dor?

- Não.

Entrei numa daquelas salas.

- O que aconteceu? Disseram-me que gritas-te no meio da rua, como se alguém tivesse sido atropelado, foi um grande susto para o condutor.

- Ele foi atropelado...

- Quem?

- Eu não entendo... eu tenho de descobrir se está bem... tenho de ir a casa dele.

Levantei-me e dirigi-me á porta.

- Espera, tenho de averiguar toda a história, estão ali pessoas muito preocupadas contigo, queres contar-me o que se passou desde o inicio?

Olhei para trás e sentei-me na cadeira, aquela sala era muito branca, muito limpa, muito... nada. 

- Não á inicio, eu vi um rapaz ser atropelado e ele desapareceu, simples. Talvez tenha conseguido ir até casa e ninguém ter visto eu não consigo encontrar uma explicação lógica  para isto.

- Ouve, Evelyn certo?

Acenei que sim.

- Não foi encontrado nenhum corpo, o carro apenas parou de repente porque atravessas-te a rua a correr e a gritar, os teus tios falaram-me do teu estado...

- óh por favor! Eu sei o que eles lhe disseram, a menina perdeu os pais e agora anda a ver coisas! Eu sei o que vi, era Dilan, eu falei com ele e ele foi-se embora como sempre, mas de certa forma, como se não fosse voltar. Ele ia embora, o carro...

Aquela sensação de estares a falar, a contar a tua versão da história e estarem a ouvir-te mas não te estarem a ouvir de todo, apenas estão á espera que termines para te diagnosticarem de igual forma, sem a mínima chance... As lágrimas insistiam em descer, com o braço limpe-ias rudemente e sai daquela sala, sem olhar para trás. Psicólogos, médicos... são todos humanos, sabem tanto mas não sabem nada. 

- Tia leva-me daqui, quero ir para casa.

- Evelyn, que susto rapariga! Estás bem? O tio foi falar com o Doutor.

Ela abraçou-me e repreendeu-me durante o caminho todo para casa, o psicólogo disse ao meu tio que devia tratar-se de stress, algum colapso nervoso devido a tudo o que tinha-se passado com os meus pais e que na minha idade era normal... Toda a merda possível, ele disse. O carro passava a nossa rua, agora mais calma e a casa... Todas as janelas estavam fechadas.

- Tia?

- Sim querida?

- Preciso de ir á casa de Constança!

- Constança?

- Sim.

- Quem é a Constança querida?

- A nossa vizinha.

- Qual ? Não estou a perceber.

- A da frente, que se mudou á pouco tempo, mais um rapaz.

- Rapaz? Da frente? Aquela casa está vazia á anos querida, acho que precisas de repousar.

O meu tio parecia preocupado assim como a tia Nina, a fedelha abraçou-me e depois descobri que tinha partido um perfume meu. O Mat, a Lu e a Bi ligaram-me para saber como estava. O Enzo chegou tardíssimo a casa e ficou pasmado com o que os tios lhe contaram, a partir de agora eu tinha consultas no psicólogo novamente. Estava metida no sótão a olhar a janela, eu estava a afundar-me, nada era mais real nem o que eu tinha como mais certo, lembro-me de tudo, mas não sei de mais nada.





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