Incompreensível

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Ela ainda estava inconsciente, eu estava com receio... medo talvez, apesar de não ter a certeza. Tinha voltado aos velhos hábitos, apesar da desaprovação de Constança, estava tudo pronto para nos mudar-mos e Evelyn não acordava. Eu não entendo, talvez não a odeie no verdadeiro sentido da palavra. A prima dela ainda estava em coma, aquela pequena menina que se atirou na estrada pela prima, ela ameaçou-me por causa de Eve apesar de não se darem lá muito bem, posso deduzir, crianças são assim, puras. Eu esperava que ela melhora-se assim como Evelyn, o médico disse que ela ia acordar, garantiu-me que ela ficaria bem mas que ainda não tinham certezas em relação á pequena. Eu estava ali na sala do hospital, sentado em frente da cama, os tios dela ainda não tinham vindo vê-la, ninguém tinha... a não ser os amigos dela e um rapaz mais velho, Enzo acho, não sabia quem ele era, devia ser parente.

Eu não tinha  a certeza porque continuava a vir aqui, talvez por ter mínima culpa pela situação mas eu não a obriguei a seguir-me, até tentei afasta-la... Eu acho que até  podia, eventualmente, sentir... Tinha que repetir a palavra para soar com algum sentido na minha cabeça, sentir... alguma, mínima, pouca mas alguma, saudade.

- Ainda aqui estás?

Voltei á realidade, ela fechou a porta e ficou ali a olhar a cama.

- Luísa certo?

- yah, desta vez acertas-te.

Era a loirinha, aquela que sempre sorria com os dentes todos e falava alto e muito rápido, agora não parecia tão sorridente e os seus olhos azuis estavam vermelhos.

- Eu vou-me embora hoje, por isso tomas conta dela...

- Porque que te vais embora?

- Porque sim.

- Não sei o que ela vê em ti, és sempre assim? Nunca respondes a nada do que te perguntam?

- Dizem que sim.

- Vais ter saudades dela.

- Porque dizes isso?

- Porque sim. Estamos todos á espera que ela acorde, mas sabes acho que á aqui pessoas que também precisam de acordar, despertar para a vida.

- Vocês são parecidas... mas também diferentes. Tens razão numa coisa, todos se encontram inconscientes vivendo uma vida de mentira... menos ela, ela pode estar mais acordada que todos vocês. 

- Vocês? 

- Eu estou bem ciente de que me encontro desperto.

- Eu só falei por falar. Sabes uma coisa que eu tenho em comum com ela? Temos tendência para nos apaixonar pelos rapazes errados...

Eu não precisava daquela conversa de hospital, não precisava de conversa de todo.

- Eu costumo gostar de rapazes que gostam de outras pessoas e a Eve...

- Queres dizer o vosso amigo?

- O Mat? Não! Claro que não!

- Vê-se...

- Que queres dizer com isso?

- Ele tem qualquer coisa com a Evelyn, nota-se quando está perto dela e tu também não finges muito bem. Mas tu dizias...

Ela olhava agora o chão e depois retornou para o mesmo local de antes, eu segui o seu olhar, conseguia visualizar os cabelos compridos espalhados na almofada, ela parecia tão longe daqui, ela devia ter ficado longe... longe de mim, nada disto tinha acontecido se...

- Ela costuma gostar de rapazes que estão, não sei como explicar, danificados.

Era suposto atingir-me? Era suposto sentir-me mal? Pois bem, eu não sinto nada.

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