Invasão

32 4 0
                                    

- A Lu ficou presa!

- Rápido, puxa-a!

- Vocês são doidas, não devíamos estar aqui!

Enquanto a Lu se queixava porque por mais que ela fosse bem magrinha e curiosa, ficou entalada na janelinha e ainda não se tinha calado com as reclamações, eu e a Bi puxamos-a e só tive tempo de agarrar o copo que não tinha nada de pequeno para um copo antes que toca-se o pavimento da cave.

- Bons reflexos!

- Obrigada.

- Chiu!! Olhem falem mais alto.

A Bi sussurrou-nos, odeio quando ela faz isso e ainda por cima tem razão. Comecei á procura de todo o  tipo de papeis, em busca de datas de quando os meus pais aqui viveram,a cave estava um pouco escura, mas o luar da noite passava pela janelinha, a Lu encontrou uma caixa cheia de tralha e no fundo, tinha uma foto de uma senhora alta, bonita, de olhos verdes, com o cabelo louro puxado para trás numa trança e atrás dela estava esta casa, ela segurava um bebé muito pequeno.

- É a tua mãe?

- Sim...

- Não são muitos parecidas.

Olhei a fotografia, realmente ela era bem diferente de mim, naquela foto parecia feliz, o meu pai devia ter tirado a fotografia; medo ou solidão, algo invadiu-me por um momento, parecia que aquela era outra família muito diferente, outras pessoas, outra vida, era a vida que era para ter sido minha, mas foi-me roubada, eles foram roubados de mim. Tinha de procurar mais, lista de amigos ou algo que me situa-se.

- Bi tens a certeza que os teus pais não têm nada dos meus? Que não sabem alguma coisa....algum pormenor daquele dia?

- Não Eve, já te contei, eles estavam a viajar nessa altura, quando voltaram e lhes contaram que os teus pais tinham sido encontrados mortos, eles ficaram estupefactos e não têm quaisquer papeis a não ser velhas fotos que não levam a nada.

Olhei a foto meio rasgada que tinha na mão, a Lu continuo-o na busca de algo, mas tudo o que estava na caixa era, apenas velhas roupas de menina e alguns papeis de contas, peguei um vestido lilás manchado e tentei imaginar-me nele, a minha Tia nunca me contava nada da minha infância nem dos meus pais, dizia que não me ia ajudar apenas magoar. A Bi tentou abrir a porta que nos levava diretamente á casa.

- Bi! Não vamos entrar na casa! Isso é de loucos, imagina que cruzamos com a Constança, assim vestidas de preto, ela apanha um ataque e ainda volta ao hospital, depois seriamos descobertas, presas, a tia da Eve matava-a e eu ia para um colégio interno...

- Deixa de dramatizar Lu, realmente continuas a mesma de sempre.

Sorri, pois era verdade.

- Vamos lá, não façam barulho, eu vou lá acima ao sótão, e tu Bi vais ao escritório, a Lu...

- Eu fico com uma de vocês , não vou andar aqui pela casa sozinha.

- Porquê?

- Porque não gosto de estar sozinha e está escuro e isto é invasão de propriedade.... e está escuro.

Ri-me baixinho, realmente a Lu sempre foi a mais cautelosa de nós e a Bi, que tinha tido esta brilhante ideia de nos infiltramos na casa da vizinha á noite e eu que dei a força para concretizarmos a ideia, éramos sem duvida as mais problemáticas.

- OK verifiquem aqui, eu vou lá acima.

Subi a escada bem devagar para não chiar e atravessei o corredor, aquela tapeçaria realmente era assustadora e os espelhos reflectiam a minha cara que tinha uma expressão de medo gravada, não medo digamos receio. O que estou a fazer? Estou a agir sem pensar, a Lu tem razão, talvez deve-se fazer como a minha tia me diz e esquecer, até a Bi já me disse isso. Mas estamos aqui, chegamos até aqui, não posso voltar atrás agora.

Atravessei o corredor, a casa tinha vários quartos, eu sabia o de Constança, e havia um que estava sempre com as janelas fechadas, talvez fosse de arrumações ou algo do género. Não conseguia encontrar as escadas para o sótão e ao virar a curva do corredor, ali estava aquele quarto. Caminhei devagar, qual seria o quarto de Dilan? Eu não devia estar aqui, se fosse apanhada? Entreabri a porta e espreitei, não era de arrumações, estava até organizado, com a pouca luz que tinha vinda da pequena janela do corredor consegui enxergar um armário com vários livros e por trás uma tábua comprida, aproximei-me e era uma prancha. Ok eu tinha de sair dali, era o quarto dele, retirei-me aos pulinhos e tropecei num grande livro no meio do raio do quarto, quem deixa a porcaria de um livro que parecia uma enciclopédia exatamente no meio do quarto?

Virei-me para o que presumi que fosse a parte onde se encontrava a cama, pois estava incrivelmente escuro ali e fiquei quieta a escutar o silencio, dirigi-me á porta com alivio e embati no peito de alguém, olhei para cima a desejar que fosse uma das minhas companheiras e claro que com a minha sorte, era o dono do quarto. Consegui constatar alguma confusão no seu rosto, ele estava ainda a tentar perceber quem eu era, tentei fugir mas ele agarrou-me, tapou-me a boca e aproximou-se da luz.

- O que fazes aqui miúda? Como é que entraste?

Ele estava muito perto e quando retirou a mão, não soube o que dizer.

- OK, antes que te passes, eu preciso de encontrar informação sobre os meus pais, podes ajudar-me Dilan?

Ele suspirou, olhei-o de forma a convence-lo mas eu estava já á espera do não e de ser expulsa dali.

- Tu não podes andar por ai a invadir a casa das pessoas a meio da noite, não tens vergonha na cara?

- Então quer dizer que se o fizesse de dia não havia problema? 

Tentei desanuviar a situação, obviamente fiz pior, por isso calei-me enquanto ele me reprimia, eu não sabia o que fazer, ele ia-me entregar e a elas também, tinha de pensar em algo rápido.

- O que ganho em te ajudar? Só me vou meter em problemas, porque é o que tu trazes, problemas.

- Tudo bem, não tens de me ajudar, eu vou-me embora e não volto aqui, eu juro.

Tentei soltar-me e ele não largou, demasiado perto, ele parecia sempre ter uma expressão de gozo quando tinha tudo sob controle e mudava completamente quando ficava a descoberto para os outros. Olhos negros que pareciam a noite e brilhavam por causa do luar, tão lindo, parecia de bronze mas no fundo era apenas pedra.

- Vais soltar-me?

- Não sei.

- Vais entregar-me? 

- Não sei...

- Não estás preocupado que a Constança nos veja? Estás demasiado perto...

Ele pareceu retrair-se mas não me largou-o, que se foda, beijei-o.









DespertarOnde histórias criam vida. Descubra agora