Despertar

Quem

As horas passavam da forma mais lenta possível, ainda faltava 1h para o fim da aula, a Lu estava do outro lado da sala, a Bi não estava na nossa turma, o Mat estava mesmo ao meu lado. O professor de Design ainda não tinha decorado os nossos nomes e chamou-me Evangeline não sei de onde ele foi buscar o nome, alguns riram-se e eu apenas me limitei a corrigir e pedi logo de seguida para ir á casa de banho.

Ao descer as escadas já mais que pisadas e pela primeira vez silenciosas, dei de caras com a empregada da escola, que era bem mais baixa que eu e já meio caduca.

- Menina não tem aula?

- Tenho senhora Marie, vou á casa de banho.

- Mas não tem aula?

-Sim, sim...

Não valia a pena, a senhora Marie estava na escola desde que me lembro, pelos vistos á demasiado tempo, não querendo ser má, ela precisava de férias. Fui até ás casas de banho e pela janela vi um rapaz que me era conhecido, o cabelo... a face, a expressão! Tenho a certeza que aquele rapaz era o mesmo da fotografia que Dilan tinha no quarto, mas afinal quem era ele? Estava diferente da foto, os olhos cansados com grandes olheiras, o cabelo mais escuro e encontrava-se encostado ao muro com um cigarro na mão.Sai rapidamente para o pátio e dirigi-me á saída, ninguém estava no portão, quando cheguei ao local já ele tinha desaparecido. Ele conhecia Dilan, pareciam grandes amigos, eu tinha de o encontrar... Mas como? Subi as mesmas escadas, odeio escadas, e dirigi-me á sala, ao meu lugar. O Mat olhou-me com uma expressão neutra.

- Eve estás bem? Estás pálida...

- Estou ótima.

- Demoras-te muito...

- Vocês têm algo que queiram partilhar com a turma ?

De repente eu não estava mais naquele espaço, estava a imaginar quem seria aquele rapaz, o que seria a Dilan. Dilan... quem era Dilan? Ele teria família? E Constança? Porquê aquela casa? Porquê os meus pais? Algo que sei sobre mim é que sou incrivelmente curiosa e quando ponho algo na cabeça, tenho de descobrir, tenho de saber e eu preciso... preciso, quão egoísta sou... Pensava nisto enquanto o professor nos repreendi-a; quando deu o toque; enquanto descia aqueles degraus escuros; enquanto esperava o autocarro e enquanto atravessava a rua com a Lu ao meu lado a falar o quão giro era não sei quem. A minha vida está a passar, as amarras do passado prendiam-me ao muro daquela casa que não avançava e eu ali permanecia a tentar descobrir tudo menos como sair, acho que estou a perder o controle...

- Estás a ouvir-me? Eve?

- Sim...sim.

- Duvido... eu estava a falar-te da festa, vais?

- Festa?

- Sim, hoje temos festa na praia ás 21, encontramo-nos em casa do Mat, para ir-mos todos juntos, ok?

- Ok.

- E põe uma cara decente, parece que vens de um enterro!

- Desculpa...

- Tens a certeza que o Dilan não nos vai entregar? É que os meus pais matam-me se descobrem!

- Não te preocupes, ele não vai contar por causa de Constança, ela ainda está a recuperar e ele não gosta de confusão.

- Ok, então vemonos depois, bye.

Sorri e fui para casa, tinha de tomar banho, escolher roupa e ir ter com eles a casa do Mat, tinha de ser... só espero que voltemos a ser como éramos, quero tanto voltar atrás. Rodei a chave na fechadura e fiquei admirada, a pirralha aos gritinhos no ar, enquanto Enzo a rodava e fazia-lhe cocegas, a minha tia sorria enquanto arrumava os pratos nas prateleiras e o meu tio estava no sofá a rir-se enquanto folheava o jornal. 

Realmente eles pareciam muito felizes... fechei a porta devagar e passei o corredor sem que me vissem, subi as escadas do sótão e sentei-me no sofá. O Enzo sempre foi aquele que fazia todos rirem-se, que mesmo que estivessem no pior momento das suas vidas, ele conseguia roubar um sorriso, eu nunca consegui ser assim... invejava-o nisso, a única coisa que roubava era preocupações e problemas a todos...

Colei musica alta e arrumei algumas coisas que se encontravam espalhadas, só desci para pegar as roupas que planeava levar e em 30 min já tinha tudo pronto, o resto da tarde passou rápido, estudei e levei um sermão por atirar o boneco estúpido da minha prima pela janela, o Enzo riu-se de toda a situação e acalmou a minha tia em 5 segundos, aproveitei e sai, hoje eu apenas queria não pensar, queria me divertir.

A casa do Mat era mesmo em frente, os pais dele tinham saído e estávamos todos lá á espera do amigo dele que tinha vomitado, não estava nem ai para a história, naquela noite eu não ia meter-me em problemas ou pensar demasiado.  Já quase ás 22 da noite a praia estava cheia e a musica altíssima, olhei em volta á procura dele, mas obviamente ele não viria ali, tinha demasiadas pessoas... Tenho de parar! Sobretudo de pensar em Dilan!

A Bi veio ter connosco com dois copos na mão e falou o mais alto que pode.

- Amanhã temos aulas sabem?

- Só de tarde, por isso vamos aproveitar...

A miúda que lhe respondeu era da sua turma, nunca tive oportunidade de lhe falar mas ela parecia fixe, fui buscar um copo para mim e o Mat veio ter comigo, fazendo-me sinal para que o seguisse para uma zona mais calma da praia.

- Eve, eu preciso de te pedir desculpa...

- Deixa Mat, está tudo bem, vamos apenas aproveitar a festa, ok?

- Então estamos bem?

- Sim.

Dei-lhe um abraço e ele sorrio, avançamos em direção ao nosso grupo,  mas ai eu vi-o.

- Malta eu já volto.

Eles nem me ouviram com tanto barulho e eu avancei para o outro lado da praia sozinha, era ele com os mesmos rapazes com que o tinha visto antes, pareciam meio deslocados, estavam todos vestidos de escuro a fumar e a rir-se de forma exagerada. Que estava a fazer? Hoje era para ser apenas diversão, mas eu também não previa que aquele rapaz se encontra-se na festa, estava atrás de uma rocha a observar-lo.

 Ele olhou para mim e eu não soube o que fazer.

- Hey ! Tu !

 Fiquei com medo e comecei a correr, realmente eu não os conhecia e eles não aparentavam ser um exemplo da sociedade, o rapaz correu atrás de mim e eu fiquei realmente assustada, conseguia ouvir os risos dos outros.

- Ian!

 Parei de correr ao ouvir aquela voz tão familiar e fiquei aliviada, o tal de Ian parou também após agarrar o meu braço direito,  ele virou-se e respondeu á voz.

- David á quanto tempo...

O quê? David? Eu olhei para trás e como pensei era a voz de Dilan, era Dilan, certo?