Francisco olhou para o relógio pendurado na parede do café-bar e abriu sua carteira. Com a respiração presa, contou o dinheiro que lhe resta. Quem ganha pouco dinheiro para escrever roteiros deve se considerar uma pessoa sortuda, pois a regra dita que não deveria ganhar dinheiro algum.
Mais cedo, o rapaz havia passado horas em uma reunião com um empresário simpático discutindo a venda de um roteiro para uma pequena produtora. Aproveitou a viagem para marcar encontro com uma antiga amiga da cidade, nesse mesmo local.
Amiga por falta de uma palavra melhor, é claro.
Todos que estudam roteiros estão fugindo da matemática, mas são condenados a realizarem contas todos os dias pelo resto da vida, pois precisam equilibrar os gastos para manter algum dinheiro dentro da maldita carteira. Francisco fez as contas de cabeça e torceu para que Katarina pedisse apenas um cappuccino, ou se dispusesse a ajudar na conta.
A reunião havia acabado horas antes e só restava esperar por ela, que não deu sinais de que iria se atrasar.
E chegou.
Existem algumas coisas que você precisa saber sobre Katarina. Primeiro, ela era muito mais bonita do que o rapaz se lembrava. Segundo, ela já havia despertado todo o tipo de sentimento no Francisco: paixão profunda, raiva, indiferença, tesão... TODOS. Ela tinha o poder de olhar para ele do jeito certo ou dizer a coisa mais errada. Uma montanha russa emocional.
Terceiro, Katarina o assustava um pouco.
O rapaz nunca foi dado a teorias freudianas, mas ele sabia que escrever roteiros estava, de alguma forma, ligado à sua mania de controle. Escrevendo, ele tinha o destino de dezenas de personagens em suas mãos e adorava isso.
Francisco odiava tudo que era fora de controle e Katarina era definitivamente imprevisível, instável e o surpreendia constantemente. Uma afronta a todos os conflitos freudianos.
Mesmo assim, ela era a KATARINA. E eles iriam se beijar. Ao menos é isso que haviam combinado dias antes, conversando pelo celular. "Eu posso superar o meu medo por isso", pensou o rapaz ao ver aquela moça linda cruzando a porta.
Não estava frio, mas Katarina usava cachecol, talvez apenas para contrariar o tempo. Eles se cumprimentaram de maneira estranha (beijo no rosto? Na boca?) e conversaram por horas.
Ela contou sobre a sua vida como atriz de teatro. Sobre a falta de apoio do governo, técnicas de interpretação estranhas, ensaios e sobre como falta cultura no Brasil.
Francisco, por outro lado, falou sobre o seu próximo projeto e percebeu que, dessa vez, Katarina não desdenhou do seu trabalho por ser popular demais. Parecia até interessada no que ele tinha para dizer.
A conversa estava ótima, eles definitivamente iriam se beijar.
A atriz usava uma camisa preta que revelava um pouco do busto, mas Francisco não reparava nele, pois estava ocupado demais analisando os seus olhos. Estavam muito diferentes. Pareciam olhos de ressaca, tais quais a de uma personagem de seu romance favorito. Pensou até em dizer isso, mas teve medo que Katarina se lembrasse do verso do mesmo romance que descreviam os olhos da personagem como oblíquos e dissimulados e explodisse, estragando tudo.
Quando o café acabou, decidiram caminhar um pouco. Katarina se ofereceu para pagar metade da conta que o garçom trouxe. Francisco suspirou aliviado.
Andaram de mãos dadas na rua e combinaram uma viagem juntos. Sorriram, apontaram para os grafites bonitos nos prédios, contaram histórias. Tudo estava indo muito bem.
- Seus cabelos estão mais bonitos assim - o rapaz disse, passando a mão nas mechas, agora encaracoladas, da Katarina. Ela sorriu, tímida:
- Desisti da chapinha - respondeu levando um dos cachos para trás da orelha. - Os assumi como são - continuou. - Algumas pessoas pensam que é babyliss, mas na verdade são naturais!
Francisco vasculhou a sua mente, mas não encontrou nada que o pudesse ajudar a descobrir o que é um babyliss.
- São lindos - disse se aproximando para roubar um beijo. Katarina esperou até o último segundo para virar o rosto e se afastar.
Francisco abriu os olhos, confuso. Claramente, ele se deixou levar pelo momento e esqueceu a regra principal da personalidade da Katarina: não ter porra de regra nenhuma.
- O que aconteceu? - perguntou o coitado.
- Nada - ela olhava para o chão enquanto falava. - Acho melhor irmos para casa.
- Ok...
Continuaram conversando como se nada tivesse acontecido enquanto esperavam o metrô e se despediram com um abraço destrambelhado.
Ponto.
Parágrafo.
O celular acendeu sinalizando uma mensagem de texto que acabou de chegar. Ainda sonolenta, Katarina pegou o aparelho e leu o que está escrito:
Francisco: O que eu fiz de errado?
Responde:
Katarina: Nada. Eu gosto muito de você.
Francisco sentiu uma pontada de raiva do outro lado da conexão de mensagens. Encarou o quadro na parede do seu quarto e tentou entender a cabeça da garota, em vão. Enfim, digitou:
Francisco: Eu também gosto de você.
Segundos depois, a resposta chega.
Katarina: Escreva sobre mim.
Francisco: Provavelmente eu farei isso. É assim que eu lido com as minhas frustrações.
Katarina: Eu fui uma frustração para você?
Francisco leu a mensagem três vezes. Fechou os olhos, ponderou um pouco, pensou em retrospecto, lembrou-se dos olhos de ressaca e em tudo mais o que sabe sobre ela e, por fim, chegou a uma conclusão:
Francisco: Não.
Continua...
![](https://img.wattpad.com/cover/21831247-288-k988042.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
CADERNO DO SALI
DiversosUm blog dentro do Wattpad. Eu sou só um rapaz que gosta de escrever. Trabalho na revista Mundo Estranho, sou embaixador do Wattpad, escrevo livros e gostaria de conversar com você neste espaço. Você aceita?