Entrelinhas

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Eu não posso dizer que foi errado, pois é melhor um final trágico do que uma tragédia sem fim. Porém... sempre há o porém.

Um relacionamento como o nosso, quando morre, não morre sozinho. Morre junto uma galáxia particular, padecem piadas internas, explode uma casta de manias e hábitos que aprendemos para usar apenas entre nós.


Aquele cinema nunca mais voltará a ser apenas um cinema. Sentenciado a ser sempre a sala de projeção do nosso antigo namoro. O espaço dos nossos beijos quando sobem os créditos. Os filmes que assistimos nunca voltarão a ser apenas filmes. Não temos mais.

Idealizar alguém é um saco. Eu te decepcionei, isso é verdade. Apenas nunca entendi que culpa eu tenho nisso, se foi você que errou a conta na hora de criar as expectativas. Eu sempre fui desligado e relaxado, nunca tive que esconder.

Nada é pior do que a sensação de que sobrou apenas uma história mal contada. Uma peça sem desfecho, um livro sem a última página. Qual é a nossa dificuldade em simplesmente falarmos o que sentimos?

Dor é uma palavra curta com um significado cheio de caracteres. Por muito tempo eu pensei que ela era evitável. Depois, passei a considerá-la parte da vida. Hoje sei que a dor é essencial. Ainda.

A primeira briga faz parecer que é o fim do mundo. Não é. Logo nos ajeitamos e nos beijamos. O problema é quando as brigas deixam de parecer intensas – fazem parte de uma rotina, deitam na nossa cama e tomam parte do relacionamento. É o que temos.


Tudo que sabemos quando amamos é que apostamos alto em um jogo em que temos tudo a perder. Nós sabemos o que sentimento traz. Nós sabemos o que o risco traz. Ainda assim, por alguma razão inexplicável da fraqueza humana, ainda queremos aquilo.

E agora eu olho para os casais nas ruas e fico um pouco triste por saber que eles poderão ter o nosso fim. Um pouco cansado do mundo que não tem um botão de pausar nos momentos felizes e faz a sua efemeridade ser tão presente que a angústia te invade, tudo que você pensa é: "Eu vou fazer o quê"?


Assuntos intermináveis em conversas intermináveis. Tenho um caderno cheio de poemas com o seu nome nas dedicatórias – agora valem menos do que os panfletos anunciando o preço do carro do ano. Nem me lembro quando os escrevi. Céus, não lembro nem como nos chamamos.

Muito daquilo te faz sentir-se dentro de uma sala vazia. Teoricamente, você pode decorar o ambiente como quiser, incluir cômodas ao seu gosto e satisfazer os seus caprichos com papeis de parede coloridos. Pendurar quadros e trazer flores em uma mesa de centro. Mas você não faz. Não faz porque não lembra mais como fazer. Não lembra de...

O último minuto se esvai, a última conversa acaba, a última porta se fecha. Na sua mão sobra uma vida toda pela frente e uma coleção de palavras não ditas. Sobram mágoas, na mesma gaveta onde, antes, guardávamos o amor.


Porém, apenas entre nós, não temos mais que esconder o que sentimos. Ainda temos aquilo que chamamos de amor.

CADERNO DO SALIOnde histórias criam vida. Descubra agora