Sábado

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– Moço, você não pode fazer isso aqui.

– O que você disse?

Abaixei o livro que estava lendo e encarei quem falou comigo. Era o vendedor da livraria, usando o seu avental com a marca da empresa, me encarando com uma expressão séria e as duas mãos na cintura:

– Você está sentado no puff de uma livraria – ele disse. – Lendo esse livro por três horas. Você não pode fazer isso.

– Eu estou escolhendo qual livro levar.

– Moço, você vem aqui toda semana, lê por horas e sai sem comprar nada. Isso aqui não é uma biblioteca!

Ele está certo. O dinheiro anda meio curto, então desenvolvi um sistema para livros na livraria. Eu simplesmente pego um e leio o máximo que conseguir, depois marco a página em que parei no meu celular e devolvo para a prateleira. É só voltar na semana seguinte, pegar o mesmo livro e continuar a leitura:

– Aqui, você precisa pagar pelos livros – o vendedor insistiu.

– Eu gostava mais da vendedora que tinha antes de você. Você sabe se a Gabriela volta?

– Eu entendo por que as mulheres são mais pacientes com você, Felipe Sali. Agora, compre algo ou cai fora daqui.

Devo admitir que o fato do vendedor saber o meu nome foi um soco no estômago. Devolvi o livro, peguei a minha mochila e saí da loja, descendo a rua.

Enquanto caminhava, pensava o quão pouco atualizei o meu Wattpad desde que me mudei para São Paulo. Consegui um estágio em uma grande revista de uma grande editora e, desde então, divido o meu quarto com dois amigos de infância em uma pensão ondem moram outras quatro ou cinco famílias. No começo, o nosso sonho era ter um ventilador que funcionava, conseguimos um. Depois, era ter um filtro, obstáculo superado.

Na verdade, o que me impediu de atualizar o Wattpad (ou qualquer outra rede social) foi uma série de projetos de cunho literário com os quais me envolvi. Eu sei que serão ótimos para a minha carreira a longo prazo, mas estão me causando danos no presente. Tenho medo de que os leitores me esqueçam durante esse curto espaço de tempo.

Enquanto pensava sobre isso, uma garota com uma mecha de cabelo rosa me parou no meio da Avenida Paulista. Ela devia ter algo em torno de dezesseis anos, usava um vestido longo e sapatos bonitos. Seus pais estavam parados logo atrás dela, também trajando roupas bonitas. Claramente era um dia importante para eles que estavam indo a um lugar importante:

– Sali – ela disse. – Você sabe quem eu sou?

Olhei para ela com mais atenção e notei que conhecia aqueles olhos de algum lugar. Ela é uma das leitoras que mais se manifestam no Twitter, já trocamos uma série de mensagens sobre Mais leve que o ar. Ela ficou feliz quando falei o seu nome e não parou de saltitar no mesmo lugar enquanto conversávamos. No final, os seus pais tiraram uma foto de nós dois. O meu cabelo ficou uma merda na foto. Sonho com o dia em que alguém com o cabelo bacana me ensine a deixar o cabelo bacana, pois nunca consigo. Ela se despediu e eu os observei se afastando, já me sentindo muito melhor por ter sido enxotado pelo vendedor da loja. Leitores sempre melhoram o meu dia.

Mais ainda é verdade que tenho medo deles pararem de me ler. Tenho recebido menos mensagens do que o costume e faz algum tempo que o meu último livro foi postado no Wattpad. Tenho que correr com os projetos. Sei que tenho.

CADERNO DO SALIOnde histórias criam vida. Descubra agora