E o telefone toca

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— Alô?

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— Alô?

—Oi, sou eu.

—Felipe, são quase duas da manhã! Aconteceu alguma coisa?

—Não, eu... Eu te acordei?

—Sim.

—Desculpa é que... Eu só queria falar com você.

—Tá bom. Pode falar. Sobre o que é?

—É... Eu não sei explicar muito bem. É sobre ratos de laboratório.

—O quê?

—Sim, sobre ratos de laboratório. É que eles são curiosos, não? Uma vez, os cientistas fizeram uma experiência com alguns deles. Basicamente, colocaram duas tigelas de ração, uma à esquerda da jaula e outra à direita da jaula e deixaram os ratinhos livres para comerem onde acharem melhor. No começo, era muito aleatório. Eles não apresentaram padrão e comiam em qualquer uma das vasilhas.

Depois de algum tempo, foram instalados dispositivos na tigela esquerda que davam pequenos choques no rato que escolhesse comer nela. Não deu outra. Depois do primeiro choque, os ratos andavam direto para a vasilha da direita e nunca mais voltavam na esquerda, nem depois de muito tempo que o dispositivo foi retirado.

Os seres humanos se gabam de sua inteligência. Mas, nesse aspecto, os ratos são mais inteligentes do que nós, não? Quer dizer, nós vivemos repetindo experiências nas quais nos machucamos, ignorando a nossa própria dor. O amor é um excelente exemplo disso. Quantas vezes eu me apaixonei, me entreguei a alguém e fui punido por isso? Tenho certeza de que isso já aconteceu com você, pelo menos, uma vez. Aconteceu com todo mundo. Com os líderes políticos, estrelas do rock e pessoas comuns. Mesmo assim, se você olhar pela janela da sua casa, encontrará as pessoas se apaixonando. Tentando de novo e de novo.

Talvez, a vida seja um pouco disso: sofrer em busca da felicidade. Você pega um ônibus lotado para trabalhar em busca da realização profissional, vira noites estudando em busca do vestibular, malha nas academias e sente todos os músculos do corpo arderem na esperança de que, quando voltarem, estarão mais definidos e saudáveis. Dentro disso, podemos acreditar que algumas promessas são verdadeiras e outras não. E não há nada que possamos fazer contra isso.

Você há de concordar comigo que esta perspectiva é assustadora. Estamos destinados a sofrer? A dor e a felicidade podem ser coisas tão próximas assim? Isso me deixa muito assustado. Aterrorizado de verdade. E muito me surpreende o fato de não termos todas as outras pessoas do mundo nas ruas arrancando os cabelos de preocupação por conta disso.

Mas eu estou cansado de viver com medo. Estou cansado de não fazer as coisas por medo, de escolher o caminho mais seguro. Eu não preciso do caminho mais seguro. É como a Clarice Lispector disse: você precisa viver "apesar de". Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio "apesar de" que nos empurra para a frente.

Apesar de aterrorizado, estou te ligando. O medo não me segura mais e sentir medo é pior do que não sentir o seu cheiro, não tocar a sua pele e não acordar ao seu lado e notar como o seu cabelo fica quando está bagunçado. Uma pessoa precisa tomar as rédeas da sua vida e escolher quais riscos ela está disposta a viver. E, sinceramente, estou muito decidido sobre quais riscos realmente valem a pena para mim.

—Felipe...

—Quer namorar comigo?

—Sim.

CADERNO DO SALIOnde histórias criam vida. Descubra agora