Ciência Pura

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No começo de 1990, a sonda espacial Voyager tirou uma fotografia do planeta Terra a uma distância de 6 bilhões de quilômetros. No meio da vastidão do universo, a Terra não passava de um pontinho branco, um pixel na sua tela. O astrônomo Carl Sagan (que também é um excelente escritor) foi o responsável por mostrar essa foto para o mundo e apontar o que ela realmente significa.

"Considere esse ponto", ele dizia. "Somos nós. Nele estão todos aqueles que você ama, todos aqueles que você conhece, todos de quem você já ouviu falar, todos os seres humanos que já existiram, todos que já viveram suas vidas", era chocante o ouvir se referindo ao pixel da tela daquela forma.

"A Terra é um palco muito pequeno numa vasta arena cósmica", continuou. "Pense nos rios de sangue derramado por todos os generais e imperadores para que, entre glória e triunfo, eles pudessem ser mestres momentâneos de uma fração do ponto".

Carl Sagan está certo. Diante da nossa real dimensão no mundo, todos os pensamentos que temos e a forma como agimos não fazem o menor sentido. Ao notarmos isso, a concepção do nosso papel no plano geral muda. Os nossos problemas não fazem o menor sentido e parecem muito menores. Muito menores, mesmo. Do tamanho de um pixel.

Certa vez, ouvi um relato semelhante vindo de um astronauta. Ele contou que observava o nosso planeta de uma estação espacial quando teve a epifania: levantou o polegar em perspectiva, na altura dos olhos e cobriu o planeta inteiro dessa forma.

Um dedão. Não precisou de mais do que isso para apagar tudo o que o astronauta já viveu naquele mundo. Não faz sentido ter sentimentos ruins ou arrancar os cabelos de estresse por algo tão insignificante e inofensivo quanto isso. Olhe para os seus dedos.

A filosofia trata sobre encontrar a verdade. A ciência também trabalha com essa premissa. Logo, a ciência é filosofia pura. E a das mais belas, por sinal.

O conceito de "quem somos nós" é constantemente desafiado por ambas. Pense em você mesmo e em tudo o que julga ser "você". Cientificamente falando, nada disso nasceu no útero da sua mãe, mas já estava aqui desde o início dos tempos. A energia não se cria e nem se destrói, apenas se recicla. Cada átomo seu, que forma o seu cabelo, o seu corpo (do qual você sente orgulho ou vergonha), o seu coração e todos os neurônios do seu cérebro que ditam os detalhes da sua personalidade, TUDO isso já estava aqui no mundo.

A sua mão direita certamente foi uma estrela em algum momento, que explodiu e espalhou partículas por todos os lados. O seu coração pode ter descido pela garganta de um dinossauro e os seus olhos poderiam estar do outro lado da galáxia. Até onde sabemos, você é infinito.

É possível que em determinado momento do nosso passado, todos nós estávamos ocupando o espaço de uma cabeça de alfinete. Um pixel ainda menor. Éramos apenas um ponto e o que formou os dinossauros, você, eu e o Napoleão dificilmente poderiam ser consideradas coisas distintas. Na verdade, ainda não são. Cientificamente falando, nós somos uma coisa só, trabalhando em conjunto sem sentido aparente.

Logo, todos os humanos são uma coisa só e, ainda por cima, dividem espaço dentro de um ponto minúsculo no meio de galáxias enormes. Se isso não te fizer sentir uma vontade irresistível de fazer o bem ao próximo, eu não sei o que vai.


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