17. Lucas

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Eu conhecia Lucas Pires desde sempre. Ele ocupou o posto de melhor amigo durante o tempo em que passei afastado de Verena, e também passou a fazer esse papel depois que eu e Verena percebemos que o que sentíamos um pelo outro era mais do que amizade. Depois de Vê, ele era a pessoa que mais sabia sobre mim. Eu o amava como um irmão e confiava cegamente nele. Não escondíamos nada um do outro.

Era o que eu pensava até então.

A ideia de Lucas ser gay me irritava, não pelo fato de ele preferir meninos à meninas, mas pelo fato de ele ter me escondido aquilo. Eu me recusava a acreditar que Lucas me omitiria algo tão importante. Preferi culpar minha namorada por elaborar teorias insanas que me fariam questionar minha amizade com Lucas. Estava irritado com ela e ela comigo. Mas no momento em que ela atravessou o ginásio da escola vestindo um short de ginástica grudado ao corpo, esqueci isso momentaneamente.

Ela se virou em minha direção, largando a bola de vôlei que segurava para prender o cabelo. Eu sentia que todas as pessoas do sexo masculino a encaravam da mesma maneira que eu e minha vontade era descer a arquibancada e beijá-la.

- Fecha a boca, Rafa. - Lucas brincou, desviando minha atenção.

- Parece que toda vez que brigamos ela fica mais gostosa. - suspirei, passando a mão na cabeça.

- Faz quanto tempo que estão brigados ?

- Uma semana. Nem 'bom dia' estamos falando direito.

- E você não vai me contar o que aconteceu mesmo assim? Pô, Rafa, contamos tudo um pro outro.

- Será? - deixei escapar baixinho, e ele me encarou com as sobrancelhas unidas. - É coisa nossa, Lucas. Esquece, vai. Vamos observar as meninas jogando vôlei que é melhor.

- Falando em observar meninas, vocês viram os peitos da Nanda do terceiro? - Sapo sentou-se ao nosso lado, entrando na conversa. - Silicone ou não ?

- Silicone! - eu disse com firmeza. - Nenhum peito cresce assim em dois meses.

- Ah, não sei. Ela deu uma engordadinha, talvez seja isso. - Lucas opinou.

- Bom, tanto faz, porque tá sensacional. Ela é doida pra te pegar, você sabe né, Lu?

- Ih, Sapo, que viagem. - Lucas riu.

- Tô falando sério, ô! Sexta é aniversário da Gabi e ela vai. Não vai perder essa, hein?

- Pode deixar. - Lucas respondeu, um tanto quanto desanimado. Balancei a cabeça. As ideias de Verena estavam começando a me confundir.

Mas... E se ele fosse? Me peguei pensando na possibilidade de Lucas de fato ser gay. Pensei em todos nossos anos de amizade, nos quais ele parecia muito mais preocupado em arranjar meninas para mim do que para si mesmo. Em como quando roubamos uma Playboy do meu irmão ele se preocupara mais em verificar se Matheus estava vindo do que em observar as páginas da revista. Em como ele falara sobre Pedro, irmão de Aisha, aquele dia no clube.

Pensei em como seria nossa amizade se ele realmente não fosse hétero. Será que alguma coisa mudaria? Eu nunca me achei homofóbico, mas como seria minha reação? Como seria a reação de todo mundo? E então percebi que estava mais preocupado com o sofrimento que Lucas poderia passar caso resolvesse assumir.

Pensei tanto sobre isso que nem percebi que o jogo das meninas havia acabado. Estava irritado por pensar tanto em uma coisa que eu sabia que não era verdade. Mas por que eu estava gastando tanto tempo com isso, então?, meu subconsciente parecia perguntar a toda hora.

Quando dei por mim, estava descendo as arquibancadas e caminhando em direção a Verena com pressa. Segurei seu braço, virando-a de frente para mim.

- Preciso falar com você. - ela parecia estar pronta para revirar os olhos, mas acho que algo em minha expressão a fez mudar de ideia e ela apenas assentiu. Seguimos para o canto da quadra, alguns olhares curiosos sobre nós.

- O que aconteceu? Seus pais? - ela perguntou apreensiva.

- Não, tá tudo bem em casa... Quer dizer, a bosta de sempre. Mas não é sobre isso. - cocei a cabeça e ela franziu a testa, encostando-se na arquibancada. Sua respiração estava ofegante devido à partida recente de vôlei e gotas de suor brotavam em sua testa.

- O que aconteceu então?

- Ah, eu queria falar... Hm, sobre o Lucas. - disse, um tanto quanto sem graça. Ela me olhou supresa.

- Seu melhor amigo hétero?

- Amor, colabora.

- Amor? Bom saber que você ainda me ama depois de uma semana sem olhar na minha cara.

- Eu te amo sempre, marrentinha. E fica especialmente difícil não te amar quando você está usando esse pedaço de pano que você chama de short. - brinquei, me aproximando um pouco. Ela riu, jogando a cabeça para o lado e em seguida me encarando séria.

- O que você quer falar sobre o Lucas ?

- Olha, não vai achar que estou dando o braço a torcer, ok? Eu ainda acho que o Lucas não é gay, mas eu tava pensando... Se ele for, como vai ser ?

- Ah, lindo. - ela se aproximou um pouco mais, fazendo carinho na base das minhas costas. - Vai ser como sempre foi.

- Caralho. Vai ser foda, né? - eu suspirei.

- Rafa, calma. Isso é uma hipótese, não fica muito encucado.

- É só que se isso for realmente verdade, eu quero estar preparado, sabe? O Lucas é meu melhor amigo e quero que ele saiba que pode contar comigo.

- Ele sabe disso, amor. - ela me olhou com carinho e eu sorri.

- Eu tô com saudades da gente. Desculpa ser teimoso.

- Eu fui bem cabeça dura também. - ela admitiu, olhando para baixo.

- Me dá um beijo então.

- Não, eu to nojenta. Preciso de um banho. - ela disse, se afastando. Eu revirei os olhos e puxei-a rapidamente, tascando-lhe um beijo.

- ALELUIA! - ouvimos Lucas gritar do outro lado da quadro e nos afastamos rindo. - Vocês não foram feitos para ficarem separados.

- Nós também te amamos, Lu! - Vê respondeu aos risos.

E aquela era a mais pura verdade. Naquela época eu apenas suspeitava da opção sexual do meu melhor amigo. Pouco mais de um ano depois, ele se assumiria. E eu seria o primeiro a quem ele confessaria. Devo admitir que sua grande revelação para mim o frustrou um pouco, pois não reagi com a surpresa que ele esperava. Ele me apoiara a vida inteira, era minha vez de retribuir. E assim eu o fiz, em tantos momentos difíceis inerentes àquela fase: a revelação para sua família, o preconceito de alguns colegas, a aceitação própria.

E foi simples assim.

VERENA - concluídaOnde histórias criam vida. Descubra agora