29. Hospital

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- Morango ou limão? - Verena perguntou para mim, uma sobrancelha levantada e um sorriso de divertimento no rosto.

- Hmm.. - suspirei, pensando um pouco em minha resposta. Eu tinha errado nas duas últimas vezes. - Morango.

Ela abriu o potinho de gelatina em cima da bandeja que fora deixada ali há poucos minutos por Laís, uma de suas enfermeiras. Ela virou o potinho em minha direção, mostrando seu conteúdo verde.

- Bosta. - eu resmunguei. A verdade é que não tínhamos muito o que fazer no hospital, Vê já estava internada há alguns dias e o tédio era insistente. Assim, criávamos aqueles
tipo de brincadeira. Tentávamos adivinhar qual seria o sabor da gelatina trazida na janta, quantos minutos seu médico atrasaria, se a sopa no almoço seria de frango ou legumes... Devo confessar que Verena era muito melhor naquilo do que eu.

Ela deu uma colherada na maldita gelatina, suspirando-a antes de levá-la a boca. Vê havia sido diagnosticada há pouco mais de dois meses. Desde aquele momento, sua rotina havia mudado. Ela se consultara com vários especialistas, seu pai, que era ortopedista, ligara para dezenas de colegas de faculdade, para professores, ouvira a opinião de uma série de neurocirurgões. Enquanto isso, a dor que Verena sentia só aumentava, e ela tomava remédios cada vez mais fortes. Esses remédios mexiam com seu sono e apetite, e ela agora passava grande parte do dia dormindo, e quando estava acordada encontrava-se enjoada ou vomitando. "Ninguém disse que ia ser fácil", ela costumava dizer.

Por fim, há cerca de uma semana, fora decidido que a cirurgia seria feita por uma neurocirurgiã renomada de São Paulo. Ela fora colega de faculdade do senhor Ferraz, e ao analisar o caso de Verena, dissera que se sentiria honrada de participar daquilo. Ela então viera para Ribeirão Preto, onde seria feita a cirurgia, por ser mais perto de Abaré e por ser onde tio Roberto trabalhava.

O problema é que a cirurgia era um desafio. A Dra. Carol garantia que poderia ser feita, mas que precisava de planejamento. O tumor crescia rapidamente em torno do nervo óptico, começando a afetar a visão de Vê. Seria uma cirurgia longa e complicada, e Verena corria o risco de ficar cega. Mas sua médica estava otimista, apenas pedia mais alguns dias para poder traçar um plano certeiro. Para isso, Verena fazia tomografias diariamente, o que justificava sua internação. A médica achara melhor também que ela começasse a radiação, assim retardaria o crescimento do tumor e facilitaria sua extração.

Desde então, não havia um dia que eu ou Verena não contássemos tudo isso para alguém. Dizer que Verena estava mantendo o bom humor seria um exagero, mas ela estava bem na medida do possível. Ela tinha algumas crises de choro às vezes, ou então recusava-se a falar com qualquer pessoa além de Alice, mas cooperava no tratamento. Mais do que isso, ela estava ávida por poder ajudar. Tudo o que lhe diziam que poderia ajudar, ela fazia sem pensar duas vezes.

- Come a gelatina inteira, Vê, ou eu te conto o final da temporada de Game of Thrones. - eu ameacei, e seu rosto assumiu uma expressão de incredulidade.

- Você é cruel! - ela reclamou, mas deu mais umas colheradas. Ela havia emagrecido demais nas últimas semanas.

- Então o que vai ser hoje à tarde? Um role pelo berçário pra ver os bebês fofinhos ou maratona de GoT? - eu perguntei, sentando-me ao seu lado na cama. Estávamos sozinhos no quarto do hospital, tia Flavia fora levar Alice na fisioterapia e tio Roberto estava trabalhando. Era raro ficarmos sozinhos, fosse quando Vê estava internada ou mesmo antes.

Eu a convencera de que era justo ela contar para nossos amigos o que estava acontecendo, e assim ela fizera. Nos reunimos em sua casa para uma janta e ela contara para todos ao mesmo tempo. Gabi chorara copiosamente, Sapo se recusava a acreditar, Diego ficara estranhamente quieto e Lucas apenas a abraçara, enquanto Aisha e eu abraçamos um ao outro. Após a revelação inicial e o choque, palavras de otimismo e de que todos estariam ali por ela vieram e terminamos a noite comendo um delicioso risoto que Vê preparara.

VERENA - concluídaOnde histórias criam vida. Descubra agora