35. Rejeição

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Por Verena

Eu sou péssima com datas. Sempre fui. Nos anos de relacionamento com o Rafa, era sempre ele quem se  lembrava dos dias especiais em nosso namoro.

Mas tem uma data que eu nunca vou me esquecer. Era 07 de fevereiro, uma segunda feira. Eu e Rafa estávamos nos preparativos para passar o carnaval no Rio de Janeiro na semana seguinte. Em meu quarto, eu jogava roupas e mais roupas em minha mala enquanto Rafael implicava comigo pela quantia absurda de roupas que eu levava para um feriado de poucos dias.

Eu lembro com clareza de tudo sobre aquele dia. Lembro que fazia um calor infernal, como era o costume nos verões de Grande Abaré. Lembro que o Rafa usava uma camiseta azul que eu havia lhe dado no último Natal. Eu usava um vestidinho amarelo, e lembro que Rafa elogiara minha  marquinha de biquíni adquirida na temporada que passamos pós ano novo no Guarujá.

E lembro perfeitamente quando minha mãe subiu as escadas até  meu quarto correndo, parando assustada no batente da porta.

- Que foi, tia? Viu um fantasma? - brincou Rafa, mas ela não riu com suas palavras.

- Filha, saiu o resultado da segunda fase do vestibular... - ela disse cuidadosamente e não precisou falar mais nada.

Eu não havia passado. Para falar a verdade, não era o primeiro vestibular que eu não passava. Prestara medicina em mais de oito universidades públicas e duas particulares e não passara em nenhuma até agora. Mas eu havia sido aprovada na primeira fase da USP, e me segurava na esperança de uma vaga na melhor universidade do país, a Universidade em que meu pai havia cursado medicina.

Eu li nas feições de minha mãe a rejeição. O resultado estava previsto para sair apenas na semana seguinte, mas estávamos todos esperançosos. Caso eu houvesse sido aprovada, minha mãe estaria chorando de emoção, me abraçando e ligando para todos da família para contar.

A minha rejeição no vestibular foi minha primeira grande rejeição na vida. Até então, eu havia sido excelente estudante. Nunca havia tirado uma nota baixa, era querida por todos os professores e quando as coisas saíam levemente errado, eu podia recorrer aos meus pais para me ajudar.

Mas ali, naquele 07 de fevereiro, não havia nada que pudesse ser feito, nem por mim, nem por ninguém. Meus pais não poderiam me ajudar, nem o Rafa, nem ninguém. Eu havia falhado.

-Vê...- Rafa começou, mas eu o silenciei com um breve acenar de cabeça.

- Eu quero ficar sozinha... - pedi, segurando o choro.

- Filha, não fica assim, você pode tentar de novo ano que vem...

- Eu sei, mãe, agora vocês podem sair, por favor? - pedi novamente e minha mãe beijou minha testa e logo obedeceu meu pedido.

Rafa, no entanto, não. Ele segurou minha mão enquanto eu parava de lutar contra as lágrimas.

- Eu estudei t-tanto, Rafa... - desabafei, deitando minha cabeça em seu ombro e ensopando sua camiseta nova de lágrimas.

- Eu sei, meu amor... - ele disse, acariciando minha cabeça.

- O que eu vou fazer agora? Eu sou muito burra! - gritei, com raiva.

- Ô, Vê, não fala isso. Você é a pessoa mais inteligente que eu conheço... - ele disse com carinho, mas eu não me dei por convencida. - Não é o fim do mundo, sabe?

- Ai, não, não começa, Rafael. - estrilei, levantando minha cabeça de seu ombro e encarando-o. - Você não entende o que eu tô sentindo, você nunca ligou pra faculdade, ou pra escola, ou pra qualquer coisa séria.

- Uou. Ok, eu vou sair agora antes que essa conversa tome um rumo completamente errado. - ele levantou da cama. - Eu só queria ajudar, Verena.

- Desculpa, não era pra ter saído desse jeito...

- Mas é o que você pensa, não é? Sempre foi! Você acha que eu sou um vagabundo por não gostar de estudar, mas adivinha só? Nem todo mundo foi feito pra ficar com a cara no livro, Verena! Eu achei minha paixão na vida, a música e ...

- Eu sei! E tá dando tudo certo na sua vida enquanto na minha...

- Tudo certo na minha vida, Verena?! Meu Deus, você é muito egoísta as vezes... A vida lá em casa anda uma bosta, caso você não se lembre eu tenho um meio irmãozinho filho de um relacionamento que eu desprezo, minha mãe tá vendendo a casa porque não tem mais como sustentar eu e meus irmãos sozinha, porque agora eu fiz 18 anos e meu pai não paga mais a pensão... Eu vou pra São Paulo tentar viver daquilo que eu amo sim, e você não pode me julgar por isso.

- Rafa, eu sei, deixa eu me explicar eu só...

- Você só não pensou, não é? Eu tô cansado de ser o único que se esforça pra te ver feliz. Você não passou no vestibular, é foda, mas vida que segue, pô. Vai pra São Paulo, faz um ano de cursinho, tenta de novo. Você é inteligente pra caralho, você pode fazer o que quiser da vida, mas porra, Vê, precisa ser um pouco mais humilde.

- Tá, Rafa, chega de me humilhar. Você é sempre essa pessoa muito melhor que eu e tal... - revirei os olhos, apesar de saber que ele estava certo.

- Não, eu não sou melhor. Eu só to cansado, Verena. Cansado de brigar, cansado da sua imaturidade, cansado de...

- Mim? - completei, com uma risada debochada. - Termina, então.

- Para de debochar enquanto a gente tá discutindo, porra. Eu não quero terminar, você sabe que eu te amo. Eu só... Eu acho que a gente precisa passar um tempo separado.

- Que?! - perguntei, sem verdadeiramente acreditar no que tinha ouvido.

- Eu te amo muito, Vê, mas a gente tem brigado pra caralho esses últimos meses e a gente realmente tem que pensar no que queremos pro nosso futuro. A gente quer coisas completamente opostas na vida e acho que um tempo separados vai fazer bem pra gente.

- Tempo? Ah, vai cagar,Rafael. Sai da minha casa, vai... Eu não vou dar tempo, se você quiser um "tempo pra pensar" é melhor você se considerar um cara solteiro.

- Meu Deus, que dramática. Tira o resto da semana pra pensar, Verena. Eu não quero mais falar com você, tchau.

E ele saiu. Bastou eu ouvir a porta de casa batendo para perceber que eu havia feito merda. Desci as escadas correndo, gritando seu nome, mas ele já estava dentro do carro e deu partida sem olhar pra trás.

VERENA - concluídaOnde histórias criam vida. Descubra agora