Sob o Signo da Serpente

II -Vergonha Pública

As palavras de Elena ainda ecoavam na mente de Beatrice enquanto ela seguia na direção daquela que seria sua futura casa.

- Esse homem é desprezível. Todos os homens são! Mas este vai te tratar como lixo, minha irmã. - A ruiva se aproximou e tomou as mãos das de Beatrice entre as suas. - Não precisa fazer isso, ninguém pode nos forçar a nos casarmos. Eu... Eu ganho pouco mas com economia podemos nos sustentar, nós quatro. - Elena forçou um sorriso.

- Vocês três. Eu não vou sair daqui para trabalhar como uma empregada e esfolar minha pele. - Respondeu a zangada Gaetana, visivelmente contrariada por sua irmã mais velha estar sendo cortejada.

- Se acalme, Elena. - Beatrice apertou a mão de sua irmã, sua adorada irmã. Sua melhor amiga. - Não vou fazer nada que não queira. Se Lorenzo quer desposar uma das Delatorre, que seja eu então. - Elena ergueu-se e começou a andar no quarto feito um leão enjaulado. - Eu realmente acredito que ele quer uma esposa de aparências. Ficaremos distantes como estranhos e de certo não ficarei chocada com o que acontece naquela casa. Vocês três... - Olhou um por um para as irmãs. - ...são jovens e tão estranhas ao mundo. Tem tanta chance de casar-se por amor, construir uma história linda e limpa.

Uma história linda e limpa. Isso seria impossível num lugar daqueles, pensou Beatrice enquanto olhava o lugar distraidamente. Fora impossível impedir a vinda de Elena, que postava-se feito um cão de guarda ao seu lado. Aquela proteção, aquele amor todo fazia seu coração se enternecer. Talvez seria o único contato amoroso que teria até a vinda de seus filhos. Não ficou surpresa com o requinte da casa, estava preparada para todo aquele luxo. Cesário, ao contrário, tinha os olhos arregalados e se deleitava com o vislumbre de lugar tão luxuoso.

Na noite seguinte, a família seria recebida na casa dos Sforza. O jardim enorme estava iluminado e não parecia particularmente sombrio, como diziam, na verdade seria um lugar agradável e belo, se um ar pesado e aterrador não rondasse o lugar, como se toda a sua imensa beleza e sua arquitetura majestosa, feita de mármore e formas neoclássicas, que faziam a casa lembrar hora um castelo, hora um templo romano, fosse apenas a maquiagem de um palco de horrendas tragédias. O salão onde seriam recebidos tinha o tamanho da casa de muitas pessoas. O chão de mármore rosado tinha desenhos geométricos, as janelas eram vitrais e no teto uma abóbada de vidro, que fazia com que a casa ficasse clara pela luz da lua além das muitas lamparinas que iluminavam o ambiente, podia-se ver as estrelas,e em torno do vidro, um afresco feito por algum grande artista do passado. Uma imagem de cores luminosas e formas perfeitas que retratava o jardim do Éden.

Lorenzo não fizera nenhuma exigência sobre alguém alem de Cesario e Beatrice comparecerem. Quando chegaram, Lorenzo ja os esperava no salão, como sempre elegantemente vestido, e quem descia as escadas imensas de mármore era a figura que despertava mais curiosidade de quem poderia sequer imaginar em pisar naquela casa.

O vestido de veludo e cetim verde se arrastava pelos degraus,  era bordado com arabescos dourados e não era difícil imaginar que fossem mesmo feitos de fios de ouro, assim como os delicados botões. Ela era mesmo tão bela quanto diziam, mas havia algo estranho. Os relatos davam conta de uma mulher perversa. Na verdade Francesca tinha olhos muito doces e uma expressão serena, era o rosto de um anjo dos quadros renascentistas emoldurado por cachos muito negros, como seus olhos. Ela sorriu, mas não era o riso de uma mulher extravagante, era um sorriso contido e simpático, parecia haver até ternura quando os cumprimentou, Cesário com um meneio e um breve sorriso, mas quando parou diante de Beatrice, ela tomou as mãos da mulher e a fitou quase com carinho.

-Seja muito bem vinda, minha querida. Pode contar comigo para o que precisar.

Lorenzo deu de ombros como se detestasse os modos de sua irmã ou os achasse falsos e as interrompeu.