Fuga

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 Assim que Rosa adentrou na sala de Cesário, o encontrou só de camisa. Desabotoou os punhos. Tinha os cabelos levemente desalinhados e os pés apoiados na mesa,não se ergueu ao vê-la chegar.

Sua expressão exalava um ódio tão intenso que chegava a ser cômico. Ela cruzou os braços e o encarou com seus olhos amendoados. Estava com a mesma roupa desde o dia em que a fabrica fora ocupada, os cabelos negros desarrumados e presos numa trança que já começava a de desfazer. Rosa não era muito bonita mas ficava perturbadoramente sensual daquele modo.

- Que mentira vai me contar dessa vez. Que ganhou seu dinheiro com trabalho honesto, cabrón? - Ela disse assim que ficou a sós com ele sem sequer esperá-lo falar.

- Senhora, eu não sei no que diabos anda envolvida, mas estão lhe investigando. Acreditam que seja uma terrorista. Veio para esse país com documentação falsa e agora está envolvida com comunistas, anarquistas, seja lá que "ista". - Cruzaria os braços, sério. - Sinceramente, eu pouco me importo com você, com aquela que mora contigo ou com o pobre coitado do músico de quinta. Mas esses rumores chegaram em meu sócio, que pediu para que eu os ajudasse. 

Curiosamente depois que Cesário Delatorre chegara ao Brasil surgia uma acusação...Contra ela e os dois Sforza. Um deles que por acaso roubara sua noiva e a outra que o enganou...Rosa se aproximou de Cesário em silêncio. Se aproximou muito com aquela camisa aberta e os seios morenos quase inteiramente à mostra. Quando ela ficava brava costumava gritar e xingar. Mas a sensação que as palavras de Cesário lhe causaram era doentia. Ela ficou em silêncio por alguns segundos e o olhou nos olhos.

- Se algum policial porco encostar as mãos em Francesca eu vou matar você. Pode me mandar para a cadeia. Pode até me matar. Eu volto do inferno e abro a sua barriga, seu burguês asqueroso. E mando os pedaços para Lorenzo, seu namoradinho.

Cesário ouviu as palavras de Rosa e  se ergueu. Era bem mais alto que a moça e esta teria que erguer a cabeça para fitá-lo nos olhos. Ele tinha um olhar de firme e ao mesmo tempo relaxado, como os olhos de uma cobra, uma serpente. Se pudesse ser um animal certamente seria uma. Deslisaria a mão por sobre o queixo, onde a barba já começava a despontar.

- Seu discurso é comovente, mulher. Estou realmente emocionado. Juro que quase ouvi o solo de um violoncelo no ar. Opa, acho que ainda posso ouvir.

Ergueria um dos dedos no ar e então desviaria o olhar, fingindo tentar ouvir algo. Por fim riria e se aproximaria de sua escrivaninha, apoiando-se nesta e cruzando os braços. Rosa não teria que erguer muito os olhos.

- Ah, eu sei que você é calejada em todos os tipos de sofrimento. Nada seria novidade. Mas agora você tem responsabilidades, uma "esposa" e um pequeno bebê... Trágico partir e deixá-los assim, abandonados num país estranho... - Daria de ombros. - Sejamos objetivos, cigana. Você está enrascada. Tem que fazer uma escolha. Vai se conter para que eu possa limpar essa sujeira ou não?

Os olhos frívolos do homem deslisariam pelo corpo de Rosa, lentamente. Era o tipo de mulher que ele detestava. Vulgar, voluntariosa, descuidada. Ao mesmo tempo esta sentiria que ele se excitara com ela. Era do tipo que deveria ser domada.Ser limpa, completamente limpa.

- E antes que teime com essa história de vida após a morte, sobrenatural, saiba que...Já temos experiência com algo assim. E que eu saiba eu me saí melhor do que você, não é mesmo?

Seria difícil saber do que o homem se falava. Dos negócios que havia tido com Lorenzo na época da possessão? Ou da proximidade que tinha com a família nos dias de hoje? Talvez a distância que tinha de Vicenzo. Era tudo possível e extremamente confuso. Cesário tinha o dom de provocar e enlouquecer os pensamentos das pessoas. 

Sob o Signo da SerpenteDonde viven las historias. Descúbrelo ahora