A volta para casa

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Letizia estava estranhamente silenciosa naquele dia. Distraída. Deixava as coisas que tinha na mão caírem, salgara muito a comida que fizera. Francesca a encontrou na varanda, ansiosa. Tinha Vicenzo no colo e o balançava de maneira automática, ninando-o como se já não prestasse atenção no que fazia.

- Cesare está demorando. Saiu antes de eu despertar e agora isso. - Voltou-se para a cunhada, séria. - Por acaso sabe de algo, Francesca?

Não era segredo que os irmãos se protegiam e que confiavam seus piores segredos um ao outro. Letízia sentia-se um tanto quanto excluída naquela casa, mas ao menos não tinha que conviver com Rosa. Tinha medo dos modos poucos gentis daquela mulher e acreditava que ela realmente era uma terrível comunista.

Francesca estava, como sempre, muito atarefada com uma pilha de roupas para passar. Depois que Rosa se fora, ela começara a lavar e passar roupas para fora. Tinha muito dinheiro guardado, mas o destino daqueles milhares era a educação de Vicenzo, e a jovem que já fora milionária se contentava em fazer o trabalho que faziam as mulheres pobres por não aceitar tocar em um dinheiro que para ela, deveria ser de seu filho, era parte da herança de seu terrível pai, cedida pelo irmão que recusara-se a ter qualquer responsabilidade sobre o menino, não queria usufruir daquilo, sentia-se melhor trabalhando. Suas mãos estavam calejadas e a pele ficava cada vez mais grossa pelo efeito de esfregar e pelo sabão, mas não se importava.

Ela ergueu os olhos e viu Letizia balançando Vicenzo daquele jeito. Terminou de passar uma camisa e pousou o ferro na tábua. Caminhou até a jovem e delicadamente pegou o bebê nos braços. Vicenzo sorriu , se alegrando como o colo da mãe e começou a puxar seus cabelos, como sempre. Francesca, no entanto, olhava para a cunhada, séria.

- Letizia, se não estiver em condições de cuidar dele, me avise, ele poderia ter caído pela forma como o estava segurando. Vou tentar fazer com que ele durma para poder continuar a trabalhar. Fique tranquila. - a jovem suspirou, estava cansada - Quanto a Cesare, eu realmente não sei. Deve ter ficado com fome e ido comer depois do ensaio. Eu não sei de nada. 

O comportamento de Letizia a exasperava. Francesca era depressiva e melancólica, mas poucas coisas a deixavam irritada ou mau humorada, sempre mantinha seus modos serenos, gentis e delicados. E Letizia constantemente a tirava de seu estado habitual. Achava a moça egoísta e moralista. Duas coisas que não cabiam na casa de uma família que abandonara uma fortuna imensa em nome da felicidade e cujo núcleo era um casal de mulheres. 

Letizia respirou fundo ao ter o bebê tomado por Francesca. Gostava de cuidar da criança, de fato amava Vicenzo. Em sua inocência era a criatura com a qual ainda conseguia conviver bem. Infelizmente, o compreendia mais do que o próprio marido. O casamento havia ido bem até a chegada de Cesário e das notícias de Elena. Podia estar louca, enciumada, mas fazia sentido. Acabou por entrar na casa  e tinha os olhos fixos na mulher. Aproximou-se da cunhada.

- Serei sincera, não sei o que fazer. Eu acho que Cesare está com Elena. Estou perdendo meu marido.

Bufou, parecendo ser difícil para ela assumir aqueles pensamentos, embora fossem tão claros para os demais. Se aproximou de uma pequena garrafa de licor que ganhara de Cesário e tomou um gole da bebida. Era fraca para bebida, não gostava de álcool, mas sentia que tinha que se acalmar.

- Somos casados. Para a sociedade, para Deus. - disse a Francesca, segurando a pequena garrafa entre os dedos. - É tarde demais para ele se arrepender. E se fizer algo com Elena, terá que se acertar com Cesário.

Sua voz soou cheia de rancor. Parecia ficar feliz em saber que mais de uma pessoa poderia ser traída naquele momento. E que Cesare teria que se acertar com Cesário, a quem todos sabiam que era capaz de muitas coisas. 

Sob o Signo da SerpenteDonde viven las historias. Descúbrelo ahora