Ajuda

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 Francesca saiu da prisão pensando no que poderia fazer para conseguir falar com Beatrice. Não conseguia pensar num primeiro momento em como fazer aquilo. Deitou seu bebê no berço, que dispusera na sala, para que conseguisse fazer suas tarefas domésticas sem deixar Vicenzo sozinho no andar de cima. Nervosa, desabou sobre o sofá, e com as mãos trêmulas e impacientes, folheou o jornal, o mesmo malfadado que anunciava a prisão de Rosa e dos demais comunistas. 

Nunca olhava as colunas sociais, pegara sua parcela de nojo delas, ainda em Veneza, quando insistiam em invadir a privacidade de sua família e escrever boatos maldosos a seu respeito. Mas a mulher tinha sua sorte, ou talvez palavras de proteção sussurradas em seu ouvido. A primeira linha em negrito da coluna era : "Proeminente industrial e banqueiro italiano faz visita ao Brasil a negócios'', seguida de uma foto de seu irmão e de Beatrice, desembarcando no porto de Santos. Mal conseguiu ler a notícia, ávida, a para sua sorte, ou a de Rosa, anunciavam com pompa o glamouroso hotel onde a família estava hospedada. O mesmo hotel onde, com frequência, prestava serviços como lavadeira.

Lorenzo não a receberia, o trauma ainda era recente, e abalara toda a família, ademais, estava muito certo de que era seu pequeno Vicenzo o fruto que traria a maldade à família Sforza. Queria distância. Só havia uma alternativa : o advogado que Lorenzo mandara contratar. Tinha a anotação com o endereço e ficava no centro da cidade. Nunca imaginara a situação de ter de implorar para usar algo de alguém. Era uma dama. Então...Entrou no escritório como tal. Ainda usava a roupa refinada com a qual estivera na delegacia, negociou às pressas com uma vizinha portuguesa para que levasse Vicenzo no colo, uma vez que uma dama jamais carregaria seu próprio filho pelas ruas. Chegou a rir, com certo sarcasmo, ao vislumbrar que era de tal maneira que se comportaria se jamais tivesse abandonado o seio de sua rica família.

- Por favor, diga ao senhor Gonçalves que sou irmã do industrial italiano que o contratou. Preciso falar sobre o caso de minha criada. - falava italiano, ela conseguia se fazer entender falando devagar. Na verdade, já arriscava algumas palavras, que aprendera após um ano naquele país. No entanto, por qual razão uma burguesa italiana teria aprendido a língua de um país colonizado? Era preciso fingir.

Logo foi atendida pelo homem. O advogado de meia idade e modos polidos mal sabia como recebê-la, tamanha a distinção que lhe atribuía pelo nome de seu irmão. Francesca tampouco havia esquecido como impor respeito com sua postura e seus modos. A vizinha não podia acreditar no que estava vendo, a portuguesa de meia idade e pouca altura tinha Vicenzo nos braços e permaneceu silenciosa ao ver Francesca, sua vizinha lavadeira, que vivia com uma operária, vestida daquela forma anunciar-se a irmã de um industrial.  E ela era mesmo convincente, pensou. 

- Felizmente as autoridades entenderam que Rosa é apenas uma pobre ignorante que não sabia o que estava fazendo - ela riu - e quase meteu nisso a mim e ao meu irmão. Eu fui instruida a enviar o inquérito para a Itália mas gostaria que antes o senhor pudesse olhá-lo.

- Mas é claro, senhorita Sforza. É mesmo lamentável que alguém de sua distinção quase tenha sido tomada por comunista. Que criada estúpida.

- Ah nem me diga, senhor. Enquanto lê o inquérito, posso usar seu telefone? O meu está com problemas.

- Mas é claro, senhorita, fique a vontade.

Francesca sorriu e caminhou até o telefone. Sabia de cor o numero do telefone do hotel.  Lorenzo havia tirado o dia para trabalhar em sua suíte, vestia roupão e tinha as pernas esticadas, enquanto se afundava em pilhas de planilhas das fábricas. Levantou-se, de mau humor e atendeu.

- Lorenzo, sou eu, Francesca...é muito importante que...

O homem desligou o telefone e bufou. Era a primeira vez em meses que ouvia a voz dela e aquilo já o deixou nervoso e apavorado o suficiente. Acendeu um cigarro e voltou a seus papéis, tentando não se perguntar o motivo da urgência na voz de sua irmã. Francesca desligou o telefone. Estava pálida.

Sob o Signo da SerpenteDonde viven las historias. Descúbrelo ahora