Distância

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O navio partira de madrugada. A cigana não tivera chance de falar mais uma última vez com sua esposa.As presas adentraram primeiro. Rosa viu uma confusão de sotaques, uma mistura de etnias, mulheres de toda a Europa e Ásia voltando de onde vieram. Ninguém estava feliz.

Rosa permaneceu todo o caminho muda até aquele navio prisão. Caminhou de cabeça baixa no passo lento da fila de prisioneiras até a embarcação. Havia tido mil planos de fuga durante a noite. Pensou nisso até o ultimo momento. Se aproveitaria do regime menos severo com que estava sendo tratada para correr...até se jogar no mar e nadar quem sabe.... Depois se esconderia até esquecerem daquela história. Mas no porto algo a impediu de concretizar seu plano. E se ela corresse e atirassem nela? Seria morta e não teria mais chance alguma. Perdida nesses pensamentos e sem saber o que fazer até o ultimo segundo,  entrou no navio. Sabia que Francesca não poderia fazer uma viagem até o porto com seu bebê de meses de vida. Estava sozinha.Foram encaminhadas para um grande quarto, com vários beliches. Três janelas pequenas iluminavam o lugar

- Sou Emilia. Trabalho no navio e serei responsável por todas vocês.

Só haveriam italianas naquele aposento e a mulher também o era. Rapidamente dissera que cada mulher teria duas mudas de roupa de cama, três mudas de roupa e que cuidariam do próprio asseio. Os horários de alimentação eram rígidos e o serviço feito na cozinha lhes daria acesso a uma melhor alimentação e mais liberdade dentro do navio. 

Rosa engoliu em seco e ficou aliviada ao ver que não seria jogada no porão. Mas sentou-se na beliche ouvindo aquelas instruções de forma apática. Quando a mulher terminou de falar ela , que apesar de deprimida não se tornara dócil, arqueou as sobrancelhas e disse:

- Ah claro. Se podem explorar o trabalho escravo de nós prisioneiras.. 

Falou em alto e bom som sem se importar. Deu de ombros e se encostou na cama, sem voltar a olhar para a mulher. Não era necessário que alguém tivesse muita autoridade para despertar o despeito de Rosa A moça a fitou com surpresa. Aparentemente algo na fala da cigana a surpreendera de alguma maneira. Enquanto as mulheres se arrumavam em seus beliches, esta se aproximou da mulher e sorriu. Era um sorriso desprovido de qualquer sentimento ruim. Parecia simpatizar com os modos da mulher.

- Engraçado. Disse a mesma coisa quando cheguei aqui... - Cruzou os braços. Era estranho ver alguém com um temperamento tão tranquilo ter sido portadora de tais palavras. - Verás que não é um serviço ruim, senhora. Faz o tempo passar mais rápido, ocupa a mente, a saudade dói menos. Além do mais, receberá uma boa alimentação em troca. Também terá livre acesso a onde quiser ir no barco. 

Por fim se afastou. Falava num tom suave, mas as demais prisioneiras a tinham ouvido, já que um silêncio intenso surgia no lugar. Havia melancolia, tristeza e nervosismo no rosto das mulheres. Era evidente que aquela boa moça tentava fazer aquela viagem ser o mais suportável possível.

- Podem descansar. Na hora do almoço traremos as refeições. Hoje ninguém será admitido ao trabalho, mas terão que ficar no quarto o tempo todo. Se precisarem de algo, toquem a sineta ao lado da porta.

Rosa apenas olhou para a mulher e não respondeu. Estava encolhida na cama. Ela se recusaria a trabalhar. Ficava ali parada, segurando nas mãos o lenço de Francesca. Dormiu, acordou, comeu. Não falava com ninguém. Apenas mantinha sua expressão carrancuda. Ficar fechada num quarto de prisioneiras ou de forma obediente trocar a exploração pelo direito de andar pelo navio não fazia seu estilo. Era tarde da noite quando ela caminhou até a porta. Poderia sair e dar uma volta pelo navio. Quem ligaria? Ela estrategicamente ainda não havia vestido o uniforme dado às demais prisioneiras. Poderia ser uma mulher qualquer andando pelo barco. Ela empurrou a porta. Estaria trancada?

Sob o Signo da SerpenteDonde viven las historias. Descúbrelo ahora