XVI - A Partida

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Beatrice retornou para casa com uma sensação de cansaço mas também de dever cumprido. Já era noite e assim que adentrou ao casarão sentiu o perfume do jantar. Fechou os olhos por alguns segundos e se sentiu, pela primeira vez em muito tempo, satisfeita com o rumo das coisas. Pretendia apenas encaminhar suas irmãs, primeiramente Letizia. Embora a que mais lhe preocupasse fosse Elena.

- Senhora... O jantar será servido.

- Sim, obrigada. Pode deixar que eu vou chamar meu marido.

Seguiu para o quarto e assim que encontrou Lorenzo lhe deu um beijo no rosto, carinhosa. Rapidamente se despiu, trocando sua roupa para algo mais leve e simples. Aos poucos, dentro da   intimidade do casal, iria instalar um ar mais austero naquela casa. Menos luxo, menos protocolos. Acabaria por vestir uma saia simples com uma camisa, soltando o cabelo.

- Está feito, meu amor.

Não falaria mais, a menos que ele pedisse. Sabia que o nome de Francesca iria ser dito cada vez menos naquela casa, até que sua lembrança fosse somente um segredo velado entre o Senhor e Senhora Sforza.

Dificilmente Lorenzo abriria mão dos protocolos. Quando Beatrice chegasse já o encontraria vestindo um terno, banhado e perfumado para o jantar, que se daria em sua própria casa, agora habitada apenas por ele e pela esposa. Havia algo caracteristico na família Sforza que se tratava daquele cuidado com os detalhes e cerimônias mesmo quando as tais inexistiam, a própria Francesca já havia dito algo que resumia aquela característica, se algo poderia ser belo e cuidadoso, por que não sê-lo?Apesar dessa faceta, o homem sorriu ao ver a esposa quando vestida de modo simples, a acolheu em seus braços e beijou seus lábios de forma carinhosa. Havia uma sombra em seus olhos ao tratar daquele assunto. Ele não estava feliz com o que fizera, e aquilo estava claro. O que lhe disse em seguida confirmou os pensamentos de Beatrice.

- Bea, existe uma única forma para que eu possa suportar tudo o que aconteceu sem acabar também numa casa de loucos. Prefiro que todos os resquícios de minha irmã sejam removidos desta casa. Guardei as fotos que sobraram num armário trancado. Não tive coragem de me livrar delas. Eu preferia que...Nossos filhos sequer soubessem de sua existência.

Ele não daria muitas oportunidades para resposta, abriu a porta do quarto e começou a se encaminhar para a sala de jantar. Beatrice certamente saberia que não era crueldade, era sobrevivência da sanidade daquele homem. Aquela seria a última vez que Lorenzo mencionaria a existência da irmã naquela casa ao longo dos próximos vinte anos. Durante o jantar conversara sobre amenidades e sobre uma possível reforma da casa para retirar todo o seu aspecto sombrio antes que tivessem filhos. A menção derradeira ao passado fora aquela.

- Quero que meu sobrenome deixe de significar medo. Desejo que pessoas que carregam este nome possam ser felizes.Apenas desejo que Deus o permita.

Beatrice tentaria que aquela fosse a primeira noite em que os dois agiriam como um casal despreocupado. Assim que findassem o jantar, o guiaria para a sala de estar. As chamas da lareira aqueciam o lugar. Lorenzo veria que a mulher pedira para o piano fosse posto na sala. Uma poltrona o esperaria ali e Beatrice o guiou até o lugar. Lorenzo veria que uma mesinha ao lado tinha o jornal do dia e um cachimbo pronto para ser aceso.

- Eu acredito que se nos empenharmos muito, vamos ser respeitados e não temidos. As histórias de hoje viram os rumores de amanhã, logo são esquecidos. - Sorriria, seguindo na direção do piano.

A idéia do piano na sala agradou Lorenzo. Sua mãe costumava tocar, o que não passava de uma memória sombria da fria e cruel Lucila Sforza, pela razão de remeter à sua mãe, Francesca nunca se interessara por ele, abandonou as aulas quando moça, preferindo dedicar-se ao canto erudito. Cesare sempre preferira o violino e o primogênito sempre fora criado apenas para os negócios. Antes de se sentar na poltrona, o homem massageou os ombros de Beatrice e lhe deu alguns beijos na nuca tão logo ela se acomodou no piano. Sentou-se por fim para deixá-la tocar.

Sob o Signo da SerpenteDonde viven las historias. Descúbrelo ahora