Capítulo 2

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25/11/17, sábado, aproximadamente 18:35hs

       Quando chegamos a cidade andamos até o campo. Como é esse o estádio que atende os jogos de todas as pequenas cidades vizinhas temos até uma estrutura boa apesar de bem velha. Papai compra uma pipoca para mim. Doce e cheia de leite condensado, eu nunca tinha comido. Já eram sete horas, mas a entrada ao público ainda não foi liberada. No entanto, quando mostramos nossos cartões de VIP nossa entrada foi autorizada depois de pegar nossos dados e conferir a autenticidade do cartão.
       Um segurança nos acompanha até a tribuna de honra e até abre a porta para nós. Não havia muita gente ainda. Duas garotas conversando em um canto dentro de vestidinhos que parecem de algumas grife de tão bonitos e um casal em outro canto sussurrando um para o outro de mãos dadas. A frente do lugar é toda em vidro então sentamos em um dos sofás de couros muito macio, eu adoraria ter um desses em casa. Aquele camarote parecia deslocado em meio ao campo com alguns buracos de terra e arquibancada desgastada, sem cobertura.
      — Isso é demais! — exclamo sussurrando para papai.
      O ambiente até cheirava a dinheiro. Havia um ar condicionado bem gelado. Quase me arrependi de ter vindo de short e regata.
      — Com certeza — diz papai.
      Pela primeira vez eu o via com uma expressão realmente leve. Minha mãe morrera quando eu tinha apenas quatro aninhos e desde então, de acordo com Camille, papai nunca mais foi o mesmo. Se fechou, teve que se mudar com a gente para cá porque não estava conseguindo sustentar três filhos no Rio de Janeiro. Uma bebezinha de quatro anos, um meninozinho de sete anos e uma pré-adolescente de quase doze anos. De quase Engenheiro a ajudante de pedreiro, pois não conseguiu terminar a faculdade.
       O tempo foi indo e o dinheiro diminuindo. Fomos para cada vez mais para casas menores para conseguir sustentar a faculdade de Camille. E então meu irmão do meio começou a se envolver com drogas. Foi quando ficou ruim de verdade. Ele vendia coisas lá de casa. Papai já deixou de comer eu não ficar com fome.
      Lembro dá cena há dois anos quando chegamos em casa e todo o armário da cozinha estava vazio. Papai estava sem dinheiro nenhum havia acabado de enviar tudo para Camille. Eu o vi chorando no chão da sala se perguntado o que fez para merecer isso. Corri para Colin pedi qualquer comida que ele pudesse me dar. Ele me deu dois quilos de arroz e de feijão. Naquele dia papai não comeu nada para que pudesse dar por mais alguns dias para mim. A única coisa que fez foi beber comigo o caldo do feijão de manhã para trabalhar.
      Balanço a cabeça para afastar a lembrança. Porque lembrar apenas me dava vontade de chorar. Na arquibancada as pessoas começavam a se acomodar. Aqui outras já entravam, todas muito bem vestidas. Levanto para jogar o pacotinho da pipoca no lixo. Estava quase chegando na lixeira quando... pá! Duas garotas que viam de costas haviam batido em mim e nós três caímos no chão. Levanto rapidamente e me ofereço para ajuda-las, mas elas levantam sozinhas e começam a gritar!
       — Olhe por onde anda garota! — exclama uma.
       — Tá cega? Você podia ter estragado a minha roupa, viu?! — diz a outra. Elas eram... iguais.
        Mesmo cabelo castanho liso, mesmos olhos verdes, mesmo tamanho, mesmo rosto. Gêmeas?
       — Foi vocês duas que esbarraram em mim — digo sem entender.
       — Nós? Você quer colocar a culpa em nós? — diz a da esquerda com blusa verde.
       — Garota irritante — diz a da direita de vestido.
       — Mas eu não fiz nada...
       — Cale a boca pobretona! Olha só essa sua roupa de quinta categoria. — fala a de vestido.
       — Como você entrou aqui? Essa é a área VIP. — diz a de blusa. — Não para gente desqualificada igual você.
      Pisco afastando as lágrimas. Por que elas são tão más? Eu não havia feito nada. Fungo e prefiro ficar calada tento passar por elas, mas elas me empurram de volta.
       — Não vai nem pedir desculpa? — pergunta a de blusa.
       — Vai chorar? Quer que eu chame o papai? — a de vestido diz.
       Pisco e tento — muito — segurar as lágrimas, mas uma desce e outras a seguem. Ninguém nunca havia me tratado assim. Só meu irmão quando está drogado que diz merda, mas eu não levo em consideração apesar da raiva. Mas elas são completamente sãs.
      — Me deixem! — murmuro tentando passar novamente. Mas elas me empurram dessa vez com mais força e eu caio. Soluço.
      — Não! — responde juntas. — Pobretona.
       — Tirem as mãos da minha filha! Já!
       Sinto um par de mãos calejadas me levantarem e me abraçarem.
       — O papai pobretão chegou — diz a de blusa.
       — O que está acontecendo aqui?! — um garoto havia chegado. Enterro meu rosto no peito de papai chorando. — Em Andreia e Lara?
       — Joseph, essa garota nos empurrou...
       — Essas duas estavam humilhando minha filha e a mim por sermos pobres — diz papai. — Além de jogarem ela no chão de propósito.
       Tento conter o choro, mas soluços interrompe meu peito.
       — Vocês a fizeram chorar? — indaga o tal Joseph. — Sumam da minha frente, gêmeas!
      — Mas...
      — Agora!
      Ouço passos para longe e o cara diz para o meu pai e eu nos sentarmos. Sou obrigada a sentar, largar o peito de papai e encarar o homem que se abaixou a minha frente.
       — Não ligue para aquelas duas — diz ele sorrindo. — São filhas da estrela do time depois que Jonas foi embora: Otaviano e se acham por isso. Eu sou Joseph Lewis.
       — Pra...zer — respondo tentando parar de chorar. — Sou Kiara de Souza Putin.
       — Posso me sentar ao seu lado para assistir ao jogo?
       — Claro.
       Chego para o lado e fico entre ele e papai. Durante o jogo descubro que Joseph é meio-campo do Alarco, mas se machucou e está fora pelo resto do ano só não deixou de acompanhar o time. Ele tem apenas 18 e acabou de ser contratado pelo time, e é peça fina como diz papai que logo engrenou em uma conversa comigo.
       — E você Kiara quantos anos tem? — pergunta Joseph no intervalo entre os dois tempos.
       — 16 anos. Estou fazendo 16 anos hoje. — respondo sorrindo. Com apenas dez minutos ele me fez parar de chorar.
       — Não acredito! Não deveria estar em uma festa bombástica? — diz ele.
       — Não temos dinheiro para isso, Joseph. Papai me trouxe aqui de presente. — respondo dando de ombros.
       — Então eu vou te dar um presente. Quando acabar o jogo levo você para o hotel onde os jogadores estão para conhece-los. O que acha?
       — Eu adoraria! — Nem penso ao responder. Meu sonho era explorar o mundo, viajar, mas se não podia não perderia uma chance de conhecer pessoas que o fazem como jogadores de futebol.
       — Minha filha não vai ir para um hotel sozinha com você garoto. — diz papai o encarando sério.
       — O convite se estende a você, senhor Putin.
       — Ai tudo bem. Pode me chamar de Joel.
       — Claro Joel.
       — Isso é demais! — exclamo animada. — Adoraria conhecer Jonas, mas ele foi embora.
       — Mas ele vai passar uma temporada no Brasil jogando do Alarco.
       — Ele não está aqui hoje. — respondo sem entender.
       — Jonas só estará a partir do próximo jogo... e se você vir com a gente? O time fecha todo um hotel para ele. Eu posso te colocar dentro.
       — O que? — arregalo os olhos sem acreditar em sua proposta. Além de conhecer pessoas viajadas poder viajar com elas? — Você está falando sério?
       — Seríssimo. Tudo de graça. Um quarto a mais um menos não vai fazer diferença.
       — Pai? — digo encarando com os meus melhores olhos pidões.
       — Nem pensar, Kia. Não vou te deixar largada dentro de um hotel com jogadores de futebol arrogantes, acostumados a terem o que querem e com testosterona.
       — Mas pai...
       — Sem mas Kiara — diz categórico.
       — Joel eu não sou arrogante e acostumado a ter o que eu quero. Lutei muito para chegar até aqui. Deixe-a ir, prometo cuidar dela a todos instantes.
       — Deixá-la ir para ela sofrer? Ser humilhada por pessoas que se acham melhores apenas por terem dinheiro? Para ser cantada por homens com o dobro da idade dela? Nem pensar.
       — Você deixou Camille ir morar em outro estado com 17 anos pai. Você acha mesmo que ela já não pegou nenhum garoto por lá? Você a deixou viver então por que me coloca em uma redoma de vidro?
       — Camille é forte. A mais velha. Era apegada a sua mãe, sente falta e teve que crescer e me ajudar com os irmãozinhos com apenas 12 anos. Ela sabe o que faz. Você não vai e pronto.
       — Você está insinuando que eu não senti falta da minha mãe? — digo levantando irritada. Minha mãe é um ponto fraco em mim. Nunca a conheci realmente, mas sentia tanto sua falta.
       — De jeito nenhum Kia, mas Camille é única que tem lembranças dela. Você era pequena demais para entender.
       — Eu me lembro dela cantando para mim. É a única lembrança que eu tenho. Mas não me diferencie de Camille pai. E eu acho que é melhor sentir falta dela com lembranças do que sentir falta de uma pessoa que você nem lembra o rosto.
       — Filha...
       — Dizem que o amor de pai e mãe não se divide. Que apenas se tem mais afinidade com um filho do que com outro. Mas eu acho que você ama mais sim a Camille. E sabe por que? Eu me lembro de você dizendo que Camille tem todos os traços da minha mãe. Você a ama mais porque você enxergar a minha mãe nela. Então pai fique com o seu filhinho drogado e filha perfeita. Eu não sirvo para você. — Falo tudo baixo. Não queria fazer escândalo.
       Viro para ir embora mesmo sem querer fazer isso, mas ele segura meu braço também de pé.
       — Nunca mais repita isso Kiara. Se sua irmã tem exatamente o mesmo rosto que ela, você tem a mesma personalidade. Sensível, amorosa, mas cabeça dura. E mesmo que não fosse assim eu nunca te amaria menos por não se parecer com ela. — ele olha bem dentro dos olhos e eu tremo com seu olhar. Me sinto um inseto por ter dito o que eu disse. — E sabe por que? Por que você é um dos motivos que me fizeram levantar e dizer: sim, a mulher da minha vida morreu porém eu tenho uma filhinha de quatro aninhos. Ela já vai crescer sem uma mãe, sem mesmo lembranças dela e eu não posso deixa-la crescer sem um pai.
       — Oh, pai! — me jogo em seus braços e o abraço. — Me desculpe. Eu fui muito insensível. Fui idiota. Eu também amo o senhor.
       — Tudo bem querida. Sei que está chateada pela viagem. — ele suspira e me puxa para sentar novamente. Joseph encara tudo em silêncio.
       — Você não pode me levar então deixa eu ir com Joseph. Por favor, papai me deixe viver.
       Ele me encara alguns minutos e então assente com a cabeça.
       — Tudo bem — ele passa a mão nos cabelos brancos e ralos pelo tempo. O tempo não havia feito bem ao meu paizinho. — Eu deixo.
       — Oh! — solto um gritinho que faz Joseph rir.
       — Mas... Joseph vai ter que arranjar dois celulares para nós. Preciso me comunicar com você. E vai ter que te trazer aqui quando tudo isso terminar ou quando você quiser.
       — Por mim tudo bem — response Joseph. — Eu não vou poder jogar mesmo, vou cuidar dela.
       — É para cuidar e não se engraçar para cima da minha filha. Quero ela tão virgem quanto está indo.
       — Pai!
       — Pode deixar Joel.
       — Quando vocês vão embora daqui? — pergunta papai.
       — Amanhã pela manhã. Quando o jogo acabar levo vocês em casa, presumo que não tenham carro. — ele continua após papai responder que não. — Amanhã eu saio para comprar os celulares, pego Kiara e vamos.
       — Você está de carro? — pergunto.
       — Meu pai estava me acompanhando, ele foi embora e deixou o carro.
       — Mas e seu machucado?
       — Eu abri a virilha, mas consigo dirigir.
       — Então está combinado!

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Eu espero muito que você tenha gostado do capítulo! Se gostou não esquece de deixar seu voto e comentar aí embaixo sua opinião. Muito obrigada por voltar aqui para ler o segundo capítulo e ter dado uma chance a história da Kiara e do Jonas, tenho certeza que eles vão entrar no coração de vocês ❤

Até quinta!

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