Capítulo 1 - Brasília

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Luísa se olhava no espelho há longos minutos, estava assustada com o que via naquele momento. O contorno dos seus olhos tinham pequenas rugas de expressão, seu quadril estava mais largo do que a última vez que tinha se analisado.Ela estava se sentindo pelo menos uns 7 anos mais velha: como se tivesse passado boa parte da vida entre emoções fortes (o que não é mentira, mas não era bagagem suficiente para uma aparência tão cansada). A última vez que se olhou no espelho não estava daquele jeito. Mas... pensando bem, não se lembrava da última vez que tinha se olhado de verdade, que tinha analisado seu corpo parte por parte. Ela não tinha tempo para se olhar de verdade. Queria poder acordar todos os dias e passar trinta minutos olhando seu reflexo e trabalhando em todas as falhas, e, ao dormir, queria poder fazer uma limpeza e retirar tudo que o dia causaria em sua aparência. 

Mas Luísa era uma mulher extremamente ocupada e que só conseguia ficar cinco minutos em frente ao espelho: tempo suficiente para jogar uma água, escovar os dentes e passar fio dental. Nada mais, pois se não ela chegaria atrasada - e durante a noite, se ela demorasse no banheiro, o cansaço a pegaria de jeito e ela acabaria dormindo com a cara na pia.

Luísa ouviu sua porta ser aberta com violência e se assustou. Pelo reflexo viu que era seu irmão mais velho com uma expressão raivosa.

- Já estamos atrasados! –Bruno, seu irmão, gritou e bateu a porta. Deixou a irmã no quarto sozinha e com cara de desentendida. 

- Ok. Já estou pronta... – ela falou para si mesma, estranhando todo aquele mal-humor do irmão. Pelas suas contas (mas ela se considerava de humanas) se eles fossem um pouco rápido e não pegassem nenhum semáforo fechado, chegariam bem adiantados.

Luísa se afastou do espelho, pegou sua bolsa e saiu do quarto. Se despediu internamente do seu quarto, do seu cantinho aconchegante. Passou a mão, naquele clima nostálgico, no cobertor de zebra que cobria sua cama e deu um sorriso feliz. Amava aquele lugar, mas queria amar e conhecer todos os segredos do mundo.

Quando chegou ao carro seu irmão já estava prestes a buzinar, sem paciência para toda aquela enrolação. Ana Júlia, a irmã mais nova, estava no banco traseiro e mexia compulsivamente no celular. Ela já tinha crescido tanto. Quando tudo aconteceu ela era somente uma menininha, não tinha noção de nada, tinha apenas 6 anos. Mas agora, 7 anos depois, era quase uma mulher, já tinha até namoradinho (era inevitável pensar como aquelas tias chatas, mas o tempo voa e Luísa não estava preparada para ver sua irmã virar uma adulta - mesmo que ainda faltassem bons anos).

Quando entrou no carro, colocou na sua estação de rádio preferida, aquela que seus irmãos diziam que só tinha música de velho e "para boi dormir". Ela se considerava eclética, gostava mesmo de mpb, mas sabia várias músicas de sertanejo, rap e até alguns funks proibidões. A sorte era que na rádio tocava uma música agitada, da Vanessa da Mata. Luísa acompanhou baixinho com a cabeça, cantando baixo o suficiente para que só ela escutasse e não causasse nenhuma surdez a ninguém.

Bruno nunca tinha visto sua irmã tão calma e serena como naquele momento. Talvez tivesse visto há alguns anos atrás, mas já fazia tanto tempo que, provavelmente, não se lembrava. Luísa costumava viver com a aparência abatida, sem tempo para nada e cheia de estresse, mas naquele momento ela ostentava um super sorriso e brilhos nos olhos.

Levantou o olhar para o retrovisor e trocou um sorriso com Aninha. A garota era a única azarenta que não tinha saído com os olhos claros do pai. Porém, seu sorriso era o único perfeito da família, aqueles dentes nunca tinham visto uma plaquinha de ferro, ao contrário dele e de Luísa, que usaram por quase 5 anos. Infelizmente – para Bruno - sua irmã era uma das garotas mais lindas que ele conhecia e sabia que isso iria trazer problemas em relação à garotos que se aproximariam dela para corrompe-la para o lado amoroso da vida. Anajú seria para sempre um eterno bebê, consequência de ser a irmã mais nova, e mesmo após o casamento, Bruno ainda a acharia que ela precisava de conselhos recheados de chocolate e morango para curar as dores da adolescência. 

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