Capítulo bônus - Bernardo

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11 de outubro de 2002

Bernardo não estava preparado para aquele dia, não se preparou para aquele momento mesmo com o pai o lembrando todo o dia de suas férias. Bernardo tinha se despedido de Bruno, seu melhor amigo, no dia anterior. Aquela família representava muita coisa na vida dele, muita coisa mesmo. Ele se sentia incluindo e podia dizer que tinha verdadeiros irmãos ali.

Agora, no auge dos seus 14 anos, quando as meninas começam a evoluir, começam a ser bonitas, frescas e interessadas pelos garotos, Bernardo se via completamente e enlouquecidamente apaixonado por uma única garota loira, baixinha e insuportável. Aquela menina que tinha o futuro nos olhos, que insistia em saber todos os detalhes das viagens que ele fazia com os pais; aquela garotinha que não dava a mínima para ele, sempre o ignorava – mas, quando ele não estava olhando para ela, a garota o encarava e imaginava um futuro inteiro e cheio de viagens com ele.

Aquela loirinha era a dona dos pensamentos dele. Ao sair de casa o primeiro pensamento que passava em sua cabeça era como ela estaria, se aquele bom e velho mal humor matutino estaria presente, se ela estaria com sua caneca enorme com leite e nescau (nunca perdia aquela mania de criança). Ah, ele desejava sempre que ela usasse uma das blusas de filme que eles sempre compravam quando iam ao cinema – Bernardo insistia que ela comprasse mesmo que não soubesse nem um pouco do significado, Bruno também influenciava bastante para ela comprar porque ela sempre era a que tinha mais dinheiro dos três.

Agora Bernardo estava indo embora e não tinha a mínima ideia de quando iria encontrar aquela menina dos sonhos de novo. Ele tinha prometido para Bruno que iriam se falar sempre, MSN está aí para isso, mas com ela Bernardo não tinha a mínima ideia do que iria fazer. Se pedisse para Bruno para falar com ela, seria "zuado" a vida inteira, e isso ele não queria.

Ao descer as escadas ele foi se despedindo daquela que foi por muitas vezes sua casa, seria seu lar ainda por muito tempo até se acostumar com aquele bom Rio de Janeiro. Já tinha pegado todos os seus cartazes de desenho das paredes, seu quarto era preto e tinha as paredes inteirinhas lotadas com seus próprios desenhos – aquele lugar era seu templo, o lugar em que ele podia deitar, olhar para todos os lados, e se sentir completamente relaxado (para melhorar somente se ela estivesse lá com ele, mas ela nunca entrava ali).

Seus pais conversavam baixinho na porta de casa, pensando que o único filho não escutaria, mas ele tinha plena consciência do que eles tanto cochichavam: separação. Na última conversa aos berros que eles tiveram, o pai de Bernardo estava bravo o suficiente com a mãe porque ela nunca engravidava, como se o problema fosse somente dela. Poderia ser dela e do útero cheio de problemas, mas o pai tinha que entender. Bernardo era louco para ter um irmão, sempre brincava com a irmãzinha de Bruno e imaginava se tivesse alguém para tomar conta e que abriria mão de tudo para a felicidade dele. Mas ele não tinha um irmão, e era somente Bernardo e seus pais. Para ele isso seria bom o suficiente se seus pais estivessem contente com isso, mas não estavam e aquilo doía dentro do coração dele. Seu pai tinha decidido se mudar para o Rio de Janeiro no momento seguinte em que recebeu a promoção no trabalho. Ele nem se deu o trabalho de convidar o filho e a esposa, mas a mãe de Bernardo, quando descobriu, impôs que todos iriam e agora aquela mudança era uma nova tentativa para que tudo desse certo.

Bernardo realmente queria que aquilo desse certo. Ele queria poder encontrar a felicidade na cidade maravilhosa, mesmo longe do melhor amigo e da menina dos sonhos.

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O caminho para o aeroporto foi rápido e cheio de clima tenso. Seu Carlos, pai de Bernardo, costumava colocar seus CDs de rock clássico no maior volume possível no rádio do carro e eles iam cantando em alto e bom som. Sua mãe, Márcia, no começo reclamava, diminuía o som toda hora e brigava com aqueles dois garotos enlouquecidos por música boa, mas logo depois, quando via que não ia dar conta daqueles dois, ela se entregava aos gritos e os três se completavam ao cantar Beatles, Led Zeppelin e Pink Floyd.

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