Capítulo 17 - Paris

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Luísa acordou com o barulho da porta de vidro da varanda do quarto batendo. Sempre acordava assim: com barulho, claridade ou alguma força do mal que tomava conta do corpo dela para que ele levantasse sem querer. Se a ação de acordar dependesse dela, com certeza Luísa ficaria dormindo por dias seguidos, confundiriam até com um coma.

Se lembrava de ter acordado algumas horas antes com aquela sensação agoniante no peito, como se uma peça do quebra-cabeça estivesse errada. Ainda imaginava qual doença sua irmã realmente tinha tido. Se fosse algo simples Bruno não teria perdido o tempo dele para ligar para ela, não iria preocupa-la à toa. Bruno tinha mentido, isso era um fato concreto, mas Luísa não entendia o porquê, não tinha noção do que Ana Júlia poderia ter tido que fizesse o irmão mais velho tomar aquela atitude - só sabia que não era uma coisa boa.

Faziam dias que que eles não se falavam. Anajú e Luísa tinham conversado no dia em que ela pensou que Bernardo era o maior cafajeste do mundo, quando seu coração estava despedaçado. A irmã mais nova tinha tratado Luísa daquele jeito grosseiro (muito típico dela, sempre a nervosa e tolerância zero). Ana Júlia estava fechada, nervosa e triste nesse último mês. Aqueles três sentimentos que vinham junto com o amadurecimento e com a adolescência estavam presentes na vida de Ana Júlia. Luísa se lembrava de quando foi com ela, mas tinha certeza que não era tão intenso quanto a irmã – Anajú tinha aquela mania feia de intensificar qualquer coisa que passasse por ela, uma formiga viraria uma aranha aos olhos sofridos daquela menina.

Quando Luísa tinha 14 anos, sua maior decisão era se escrevia mais uma cena de algum casal novo que surgisse nos pensamentos dela, se faria alguma experiência nova com o milho de pipoca que sempre tinha na sua casa, ou se estudava para as matérias de exatas que ela sempre ia mal (logicamente ela nunca escolhia a última opção, resultando em várias recuperações nos finais das séries). Mas Ana Júlia sempre foi muito intensa. Mesmo que as duas irmãs fossem muito parecidas com os dramas da vida, elas eram diferentes em diversas coisas. Uma tolerante, a outra sem paciência nenhuma; uma gostava de passar maquiagem, dançar e gritar pela rua (Ana Júlia, logicamente), a outra era tímida e queria ficar em casa sempre, com seu pijama e o balde de pipoca gourmet (aos 15 anos, entre suas experiências gastronômicas, Luísa aprendera a fazer a pipoca perfeita, e aquilo virou o vício da vida dela). Elas poderiam ser consideradas água e óleo, mas em alguns momentos eram água e suco de pó: se completavam e formavam algo melhor.

Se Luísa terminasse um namoro ficaria meses sofrendo por aquele amor perdido, rasgaria o travesseiro a mordidas, gritaria e choraria todo o líquido do corpo dela. Ana Júlia também era daquele jeito, só que o drama era multiplicado por cem. Ela choraria muito, ficaria presa no quarto sem comer por muito tempo e ainda prometeria para todas as pessoas do mundo que nunca mais ficaria com nenhum garoto na vida inteira dela. Pois é, muito intensa, radical e com o drama no nível mais alto possível. Luísa se lembrava claramente do dia que recebeu uma ligação urgente da secretária da escolinha que Anajú estudava pedindo que ela buscasse a irmã o mais rápido possível pois ela tinha se machucado. Na época ela só tinha 9 anos, mas sua maturidade estava anos acima. A secretária estava tensa no telefone, e, de fundo de chamada, Luísa conseguia escutar os berros chorosos da irmã mais nova gritando dizendo que o braço ia cair e que estava sangrando muito. Quando ela chegou viu que não tinha nada a ver com o que ela imaginou que seria: era apenas um corte grande no antebraço e que tinha uma boa quantidade de sangue seco que assustara Anajú. O machucado se resolveu em menos de três dias com o tratamento horrível de metiolate a cada duas horas (o que fazia Ana Júlia chorar e gritar porque estava ardendo muito – o que podia até ser verdade, mas aumentada em cem vezes pior).

Luísa ainda pensando naquela lembrança engraçada quando se espreguiçou com força tentando expulsar aquele resto de preguiça que a deixaria naquela cama até o ano que vem. A noite tinha sido bastante agitada e a preguiça tomava conta do corpo inteirinho dela. Quando se esticou sentiu uma pontada desconfortável no tornozelo, a fazendo se lembrar que ainda estava com aquela tala horrível. Se virou de mal jeito para o lado de Bernardo na cama (sim, eles já formavam aquele tipo de casal que tem até um lado da cama pré-estabelecido) e viu que a bagunça estava abandonada, mas ainda quente, provando que o corpo dele estivera ali há pouco tempo. Luísa se espreguiçou mais uma vez e sentiu sua bexiga se contorcer de dor. Não percebera antes, mas estava prestes a explodir de tanta vontade de fazer xixi.

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