Capítulo 3 - Lisboa

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O Rio de Janeiro tinha amanhecido calorento e úmido, um ótimo clima para irem à praia. Mas seria impossível, já que o voo sairia do Brasil as 6:00 da manhã, cedo o suficiente para que todos dormissem durante a viagem e chegassem dispostos a fazerem alguns passeios por Lisboa.

Luísa não conseguiu relaxar em momento nenhum durante a viagem. Sentou-se ao lado de Bernardo e uma garota loira, que ela não lembrava se tinha visto no jantar da noite passada. Tentou não analisar as tatuagens que ele tinha no antebraço direito, mas conseguiu reparar que eram desenhos de um relógio de bolso, uma rosa, uma coruja e um texto, que ela não conseguiu ler porque a blusa tampava boa parte dele, todas grandes e com vários detalhes lindos. Luísa sempre sentiu vontade de fazer uma tatuagem, mas o medo não a deixava nem fazer um piercing. Ela tinha 23 anos com medos de uma garota de 12, já que aos 13 sua irmã ostentava três piercings na cartilagem da orelha e um no nariz.

Tentou assistir a um filme de comédia, mas a conversa entre Bernardo e a garota ao lado estava incomodando, não queria ser mal-educada ao pedir que eles calassem a boca ou que conversassem um pouco mais baixo, mas não teve jeito.

- Vocês podem, por favor, falar mais baixo? Estou com fone de ouvido e consigo ouvir a conversa de vocês... – seu mal humor poderia ser sentido da cabine do piloto, mas Bernardo tentou ignorar.

- Ou você poderia deixar de ser antissocial e conversar com a gente. Sabe, eu sou seu amigo de infância, não vou fazer nenhum mal para você, ainda mais porque você tem o Júlio, que como ele mesmo me disse: está aqui para te proteger de qualquer mal – Bernardo fez questão de falar com muito deboche as últimas palavras.

- Você deveria saber que eu não tenho nada com o Júlio, não sei nem do que você está falando. Como você mesmo disse: somos amigos de infância, você deveria saber que não sou assim...

- Lu, posso te chamar assim, né? – Bernardo já tinha virado todo o corpo para ela – Eu te conheci muito nova, sei o quanto você amadureceu, e isso aconteceu comigo também. Se você acha que me conhece baseado no meu "eu" de 14 anos, você não sabe quem eu sou. Estou sempre evoluindo, então permita-me apresentar novamente: eu sou Bernardo, tenho 26 anos, amo viajar, de longe é meu programa favorito. Sou apaixonado pela vida. Nas horas vagas eu trabalho em uma editora de livros, já que me formei em design, faço capas de livros (mas não se anime, a editora em que trabalho não tem nenhum best seller). Tenho um irmãozinho de 4 anos, e quando ele crescer quero poder dar o mundo inteiro para ele – Bernardo parou um pouco, pensou no que diria mais, mas ficou calado. – Acho que é só isso. Eu sou o mesmo garoto que você conheceu, com algumas alterações feitas pela vida...

Luísa ficou encantada, ele realmente tinha mudado. Aos 14 anos ele queria se formar em cinema, viaja muito mas achava um saco. Sempre que sua família voltava das viagens ele ficava reclamando de tudo: da areia da praia aos restaurantes chiques que visitava com seus pais. Uma coisa que não tinha mudado era sua paixão pelo desenho, ela se lembrava de quando tinha completado 10 anos e o garoto a presenteou com um mero desenho, feito a lápis, deles dois sentados nas escadas da casa dela. Por muito tempo aquele pedaço de papel tinha sido seu bem mais precioso, mas agora nem lembrava aonde tinha guardado. Se surpreendeu com o novo membro da família, lembrava que sua mãe tinha uma dificuldade enorme de ter filhos, e agora ele tinha um irmão. Se sentiu feliz por ele e, sem perceber, pegou a mão do garoto e a apertou.

- Um irmão? Fico muito feliz! Eu lembro que você sempre quis um, ou roubar um dos meus para você – ela riu com a memória do garoto falando que só não roubava Ana Júlia porque toda a casa sentiria falta dos berros dela durante a madrugada. – Bom... eu me chamo Luísa, tenho 23 anos e já sou mãe de um garoto mais velho que eu e de uma adolescente maravilhosamente estressada e rabugenta. Não consegui fazer faculdade de turismo por motivos óbvios, mas sou gerente de um dos maiores hotéis de Brasília, o que me deixa próxima ao meu sonho, sabe, de conhecer o mundo. Eu não mudei tanto, só adquiri algumas responsabilidades. Ah, eu sempre quis fazer uma tatuagem, mas não tenho coragem.

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